A Festa de Reis de Boa Hora e as histórias dos pagadores de promessas
Equipe do Em Foco encontrou cada história de superação e fé dos grupos de reisados de Boa Hora...
Por Domingos José. Fotos: Domingos José, Weslley Paz, Otávio Neto e Fábio Wellington
Seis dias peregrinando pelas comunidades do município, dançando e cantando melodias típicas, mas letras improvisadas que falam do momento, das pessoas. Assim é o festejo de Santos Reis. Segundo relatos bíblicos de São Mateus, os três Reis Magos Belchior, Baltazar e Gaspar foram guiados por uma estrela [de Belém], e saíram do oriente para Jerusalém, sendo os primeiros a visitar o recém-nascido “Rei dos Judeus”, o menino Jesus.
A “Folia de Reis”, também conhecida como Reisado, é uma manifestação que mistura folclórico, religiosa, doação e recebimento de presentes, divisão do pão, mas acima de qualquer coisa, a fé. Reisado, Bumba meu boi ou boi-bumbá, Boi de careta, são algumas denominações para a manifestação, dependendo da região.
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Na cidade de Boa Hora-PI, a 146 km ao norte de Teresina, o Reisado virou Festival Cultural e pode ser a maior concentração da manifestação no Brasil. O município já se autonomeia como o local da maior festa de reisado do Brasil. Com uma população estimada de 6.663 em 2017 e uma área de 336,954 km² (IBGE), em 2018 foram 14 grupos de reisados no município.
No dia 6 de janeiro, data de encerramento das comemorações e o Dia de Santos Reis, o Em Foco foi ao município buscar histórias que vão muito além do festival, das lendas e tradição dos grupos de reisados. Visitamos os dois “bois” [ou grupos de reisados] campeão e vice no XIX Festival, que aconteceu no dia 5, e um dos estreantes no festival.
O Canãa, vice-campeão, tem como pagador de promessa [o dono do boi] o senhor Raimundo Nonato de Moraes. Segundo ele, são vários anos e a tradição vem passando de geração em geração.
Frank Ribeiro é o pagado de promessa do “Boi Maravilha”, o campeão do festival. Frank, que é vereador do município, conta que este foi o terceiro ano que ele “tirou reisado”, porém há mais de 100 anos sua família mantem a tradição. Segundo ele, a promessa foi por uma bênção alcançada quando passava por problemas de doença.
HISTÓRIA DE FÉ
O “Boi de Ouro” é da família Cantuário e a pagadora de promessa é a dona Patrícia Dias, de 38 anos de idade. Ela conta que a graça alcançada foi engravidar aos 33 anos depois de inúmeras tentativas e diversos tratamentos médicos. “Eu e meu marido fizemos todo tipo de tratamento e quando eu já não tinha esperança fiz o pedido. Em janeiro de 2012 engravidei, meu filho é saudável e depois dele não tomo nenhuma medicação e não engravidei mais” diz a mãe orgulhosa ao lado do José Phillipe Cantuário, que diz já saber ler e escrever.
HISTÓRIA DE PEREGRINAÇÃO
Desde o da 31 de dezembro de 2017, logo após a benção dos bois na Capela de Santos Reis, os 14 grupos de reisados passaram a peregrinar pelo município, iniciando ao cair da noite e retornando às suas residências apenas ao amanhecer do dia seguinte. “A gente leva café, lanche, água e sai batendo de porta em porta. Algumas famílias recebem, outras, por algum motivo não recebem a gente” conta Patrícia, acrescentando que o momento mais difícil é durante a madrugada quando fica poucas pessoas no grupo e o cansaço já toma conta. “Tem hora que a gente pensa: o que é que eu estou fazendo aqui acordando as pessoas a esta hora da manhã? Mas a fé acaba falando mais alto e a gente completa a peregrinação” diz.
HISTÓRIA DE SACRIFÍCIO E DE DOAÇÃO
Os grupos de reisados são compostos por pelo menos 7 pessoas: o pagador de promessa; o dançador do boi, que carrega a estrutura feita de madeira e tecido; o mandador do boi, que comanda os demais, cantando os versos que dão o tom da apresentação; três caretas e um sanfoneiro. Além do pagador da promessa, os demais componentes podem ou não ser da família e quase todos são gratificados pelo serviço. Os sanfoneiros, por exemplo, vêm quase que na sua totalidade de outras cidades e até de outros estados. “O gasto é muito alto, porque além dos componentes do grupo de reisado, temos as pessoas que ajudam desde a ornamentação do boi até fazer as comidas. Os lençóis do meu boi foram bordados a mão. Iniciamos há dois meses. Durante esses dias chegamos a matar 90 galinhas para fazer comida aqui em casa”, conta Patrícia Dias.
Fila para comida. Simbolicamente é o compartilhamento da carne do boi que foi morto ao fim da apresentação
Nas andanças dos grupos pelas comunidades, são arrecadados alimentos, animais como galinha, porco, bodes e outros alimentos que, mesmo representando pouco em relação ao gosto final, é parte do ritual e ajuda nas despesas.
Cada pagador de promessa recebeu uma ajuda financeira de 1.500 reais da prefeitura pela participação no festival e o grupo campeão recebeu mais mil reais. Os valores e o título de campeão são quase simbólicos, porque os pagadores de promessa buscam mesmo é o agradecimento pela graça alcançada. Isso é feito em forma de dança, de música, peregrinação, farto banquete de comida no encerramento e, acima de tudo, pela fé.
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