Facebook
  RSS
  Whatsapp

  12:51

Mandu Ladino e a guerra dos Índios no Piauí

Até 1710 havia uma forte dominação do índio nas terras de Campo Maior, fato que atrapalhava o projeto português de extensão de suas fazendas.

 

Por volta de três séculos atrás, o território do atual Estado do Piauí já era levemente ocupado por fazendeiros portugueses. De norte a sul, o Piauí era marcado por fazendas de gado que se propagavam e predominavam na paisagem do estado. Além dos currais de gado, as malocas e aldeias indígenas eram a outra forma de sociedade organizada que predominava no nosso sertão, mas em número bem superior do que a ocupação branca. Ao tempo em que as fazendas se aglomeravam em número crescente, as aldeias indígenas, no mesmo ritmo, iam diminuindo, sendo dizimadas, num episódio que ficou conhecido como “pacificação”. A Cruzada que os portugueses levantaram contra os povos indígenas, uma guerra sanguinolenta, de extermínio de um povo, foi chamada de pacificação, visto que os portugueses, invasores da terra indígena, desejavam expulsar os silvícolas de sua própria habitação milenar. Com a reação indígena de lutar por defender sua terra e suas vidas, os portugueses se levantaram com o intento de limpar o território desse povo “bárbaro”. O episódio que marca essa guerra brutal contra os nativos piauienses foi historicamente denominado de “pacificação dos índios”. É claro que essa classificação chamada de “pacificação” só pode ser concebida na visão eurocêntrica do português. Numa perspectiva indígena, tal acontecimento, se registrado, poderia até ser classificado como genocídio. Foi um massacre, uma limpeza étnica sem precedentes no Brasil. 


Não tenho conhecimento se, alguma vez na história, Portugal reconheceu esse massacre realizado no Brasil. Não quero ser anacrônico, mas é inegável que, mesmo reconhecendo as inclinações dos países europeus daquela época, no mínimo, reconhecer essa barbárie hoje seria algo respeitável. O Piauí é um dos poucos estados do Brasil que não tem nenhuma nação indígena. Aqui houve uma completa limpeza étnica dos nossos nativos. Embora o Piauí não tenha mais a presença indígena, a nossa documentação período colonial é farta em apontar a fertilidade indígena em nosso território. Até hoje preservamos nomes indígenas em muitos de nossos bens naturais e, no nosso imaginário, a imagem indígena também permanece. Por exemplo: O rio que separa os estados do Maranhão e Piauí tem o nome indígena até hoje mantido, o rio Parnaíba; em Campo Maior temos os rios Longá e Surubim, todos nomes indígenas. Muitas fazendas piauienses receberam nomes derivados da língua dos nativos, a exemplo da popular e misteriosa Bitorocara e Cabeça do Tapuia, fazendas de Bernardo de Carvalho. Algumas cidades ainda preservam nomes indígenas, como é o caso da Cidade de São Miguel do Tapuio, em lembrança aos índios Tapuias. A cordilheira que nos separa do Ceará preserva seu nome indígena até hoje: Ibiapaba. A imagética do índio também está fortemente enraizada em nossa cultura: a rede de dormir e a mandioca são bons exemplos. 


Até 1710 havia uma forte dominação do índio nas terras de Campo Maior, fato que atrapalhava o projeto português de extensão de suas fazendas. Toda a extensão do Vale do Longá, subindo em direção ao extremo norte até entrar no rio Parnaíba, bem como o Vale do Poti, cujo rio corre de leste a oeste cortando o território do Piauí ao meio, era coberto por tribos indígenas que foram empurradas pelo português para longe. Muitos índios não tiveram a mesma sorte de fugir e foram executados ali mesmo. Nesse período de maior agressão do homem branco ocorreu o levante indígena, uma coalizão das tribos indígenas do norte do Piauí. Esse é um fato inédito na história indígena. A coalizão das forças indígenas foi organizada pelo índio Mandu Ladino, figura lendária entre os aborígines piauienses. Mandu Ladino foi capturado quando era um curumim, e foi educado por religiosos. Versado nas letras, sabendo ler e escrever, conhecia as estratégias e as práticas militares dos portugueses. Ao atingir a maturidade na idade e no intelecto, Mandu Ladino – depois de um conflito com o Mestre de Campo Antonio da Cunha Souto Maior, onde o oficial português sucumbe diante do silvícola – agrupa o maior exército indígena jamais visto no Piauí, talvez jamais visto no Brasil. Comandados pelo índio piauiense, as tribos indígenas, bem organizadas, seguiam uma estratégia que começava a funcionar contra os portugueses. Uma verdadeira guerra entre brancos e índios foi iniciada e travada nos sertões do norte do Piauí. Mandu, durante alguns anos, liderou o mais temido e destruidor comando indígena que circulou na macro região de Campo Maior. Não podemos deixar de lembrar que a partir do rio Poti, subindo até o litoral, toda essa vasta extensão de terra era pertencente aos domínios da Freguesia de Santo Antonio do Surubim, cuja base era a igreja de Santo Antonio, núcleo da atual cidade de Campo Maior. Inumeráveis fazendas de gado foram completamente destruídas pela ação de Mandu Ladino e seu grupo. 


Nessa mesma época, depois que morreu o Mestre de Campo Souto Maior, o posto ficou vago, mas logo em seguida foi ocupado por Bernardo de Carvalho, que liderou seus homens em perseguição a Mandu Ladino e seu numeroso exército indígena. Ladino era o terror dos portugueses. Suas ações eram rápidas e traiçoeiras, invadindo fazendas, matando e queimando os arraiais. Roubava o gado e os conduzia para regiões isoladas, a fim de alimentar o grupo. Trouxe por longos anos prejuízo e pavor aos fazendeiros da macro-região de Campo Maior, isso porque Campo Maior era o norte do Piauí. Por fim, o valente guerreiro foi morto, ao que tudo indica, numa tentativa de cruzar o rio Parnaíba, em emboscada armada pelos homens de Bernardo de Carvalho. A guerra contra os índios terminou por varrer a presença dos nossos nativos do norte do Piauí. Mais tarde um Castelo Branco, o “El Matador”, daria conta de exterminar os nativos da parte sul do Piauí. Esse triste episódio resultou na expansão das fazendas de gado no Piauí e na concreta colonização da terra pelo homem branco.