O Brasil realizará nos próximos meses a sua maior e mais abrangente pesquisa em seres humanos para avaliar os efeitos da cannabis no tratamento de transtornos do humor.
O estudo foi aprovado nesta segunda-feira, 29, pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Com o título “Impacto do óleo integral de Cannabis na saúde mental de profissionais da linha de frente no combate a COVID-19”, o projeto vai recrutar 300 voluntários de todo o país entre médicos e enfermeiros envolvidos no atendimento de casos suspeitos e confirmados de infecção pelo novo coronavírus.
A pesquisa seguirá os protocolos mais rigorosos para esse tipo de investigação: randomizada, duplo cego e controlada por placebo. Nesse modelo, nem os médicos e nem os pacientes sabem quais voluntários tomarão o medicamento e quais receberão a substância inócua, o que assegura máxima confiabilidade e isenção aos resultados, com grau de confiança de 95%.
“A aprovação dessa pesquisa é um marco para a medicina canabinoide no Brasil. Os efeitos ansiolíticos da cannabis são reconhecidos e bem documentados entre os especialistas da área e agora poderemos extrapolar esse universo.
Com o estudo, esperamos sanar algumas dúvidas científicas ao aprofundar o conhecimento sobre os mecanismos moleculares e bioquímicos que fazem da cannabis uma opção eficaz e segura no tratamento dos transtornos de humor, principalmente ansiedade e estresse”, afirmou o professor doutor Erik Amazonas de Almeida, pesquisador responsável pela iniciativa.
Os medicamentos à base da erva serão produzidos pela Associação Brasileira de Apoio a Cannabis Esperança (ABRACE), associação de pacientes com sede em João Pessoa (PB), que também fará o cadastramento e a seleção dos voluntários.
Os organizadores esperam receber cerca de mil inscrições para as 300 vagas, que serão preenchidas de acordo com critérios técnicos, sanitários e estatísticos, levando em conta o histórico de saúde do paciente, seu perfil sociodemográfico e seu grau de envolvimento no combate à pandemia, entre outros critérios.
Não serão aceitas grávidas, lactantes e pessoas com condições psiquiátricas pré-existentes, excluindo, obviamente, aquelas que serão objeto da investigação. Durante o estudo clínico, os pacientes receberão doses do óleo integral de cannabis, com concentração de 100mg/ml de canabidiol (CBD) e baixos índices de THC, a substância psicoativa da planta.
O recrutamento dos voluntários será realizado durante o mês de julho e os testes começam em agosto. Os candidatos devem preencher o formulário da ABRACE que ajudará os pesquisadores a identificar o grau de estresse autodeclarado de cada um deles.
Após essa primeira fase, os pacientes submetidos ao tratamento (e ao placebo) serão avaliados regularmente pela equipe responsável em consultas por telemedicina e com base nas respostas a um questionário autoadministrado, formulado com a versão brasileira da escala de estresse percebido (BPSS10), validado pela Sociedade Brasileira de Psicologia.
“É muito positivo ver a comunidade científica mudando a sua percepção sobre a cannabis. A própria autorização para a realização da pesquisa demonstra que há, enfim, o reconhecimento do potencial terapêutico da planta na promoção de saúde mental”, afirmou o farmacêutico Murilo Chaves Gouvêa, membro da ABRACE e um dos coordenadores do estudo.
Para o doutor Erik Amazonas, controlar o estresse e a ansiedade dos profissionais que estão na linha de frente do combate à pandemia significa salvar vidas. “Esses médicos e enfermeiros têm reportado esgotamento não apenas físico, mas também psicológico.
Eles precisam tomar decisões críticas em questão de segundos e, para isso, precisam estar em pleno gozo de sua saúde mental”, afirmou ao blog. Além disso, ele acredita que os resultados também podem ajudar na ampliação do uso da cannabis por médicos que tratam esses transtornos.
“Os ansiolíticos e antidepressivos estão entre as classes de medicamentos mais receitados no mundo. A cannabis pode sim ser uma opção para esses tratamentos, com eficácia, segurança e com menos efeitos colaterais. É isso que pretendemos demonstrar com essa pesquisa”, concluiu.
Bianca Viana
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