O Ministério da Saúde (MS) desviou mais de 2 milhões de doses de cloroquina do programa de combate à malária para direcioná-las ao tratamento da Covid-19. Com isso, o programa viu seu estoque ficar baixo e com riscos de desabastecimento. É o que afirma reportagem da Folha de S.Paulo.
Com base nos documentos obtidos pelo jornal, em novembro passado, o MS precisou, em caráter de urgência, garantir mais 750 mil comprimidos de cloroquina, por meio de aditivo a uma parceria firmada com a Fiocruz, para, assim, impedir o desfalque no programa da malária.
A urgência ocorreu porque, com base no estoque à época, as doses seriam suficientes para, no máximo, atender à população até março atual. Cabe lembrar que, a cada ano, o Brasil registra 194 mil casos de malária, sendo 99,5% deles apenas na região amazônica.
Na ocasião, a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde teria enviado um ofício à direção de Farmanguinhos - empresa responsável pela produção de medicamentos e vacinas na Fiocruz, justificando a medida e no qual citava que a cloroquina passou a ser usada para tratar a Covid-19, por isso, seu estoque ficou baixo.
"Com o advento da pandemia pela Covid-19, esse medicamento passou a ser disponibilizado também para o tratamento dessa virose, o que elevou o seu consumo, especialmente no primeiro semestre. Com isso, o estoque atualmente disponível garante a cobertura do programa de malária apenas até meados de 2021", informou o ofício.
Toda a parceria foi feita por meio de um termo de execução descentralizada (TED), de número 10/2020 e foi custeada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, os gastos da operação totalizaram R$ 258.750,00.
Entretanto, em janeiro, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que o uso de dinheiro do SUS na distribuição de cloroquina a pacientes com Covid-19 é ilegal. Pois, segundo o Tribunal, o fornecimento pelo SUS de medicamentos para uso fora do previsto na bula só pode ocorrer mediante a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A entidade, por sua vez, não concedeu essa aprovação.
Hidroxicloroquina x malária
Há quase 20 anos existe a parceria entre Ministério da Saúde e Fiocruz para produção de difosfato de cloroquina 150 mg. A droga sempre foi destinada à malária. O documento dessa parceria destaca que o medicamento tem efeito para combater o ataque agudo da doença.
O plano de trabalho do termo descentralizado do período de março de 2020 a março de 2021 cita ainda outras doenças, como amebíase hepática, artrite reumatoide, lúpus, sarcaidose e doenças de fotossensibilidade.
Contudo, em 26 de março do ano anterior, o relatório da entrega dessa medicação já apontava o disparo na distribuição indevida, com o programa Covid-19 recebendo 2.008.500 doses de hidroxicloroquina, enquanto isso, o da malária ficou com apenas 991.500.
A baixa quantidade de doses disponíveis e o risco de regiões brasileiras ficarem desabastecidas levaram o Governo a procurar a Fiocruz para solicitar as novas doses, que foram entregues no último dia 26 de março.
Hidroxicloroquina nas farmácias
Como se acompanhou ao longo de 2020, a hidroxicloroquina foi defendida pelo presidente Jair Bolsonaro como tratamento precoce contra a Covid-19. Essa defesa contribuiu para que as vendas do medicamento apresentassem uma alta de 110% em relação a 2019, conforme noticiamos (veja aqui).
Porém, estudos apontaram que a droga não tem eficácia para combater a doença. Pelo contrário, há casos de complicações na saúde decorrentes do medicamento quando utilizado para combater o coronavírus. Não à toa, agências sanitárias pelo mundo todo desaconselham que a droga seja usada essa finalidade.
Mas, nas farmácias, muitos pacientes ainda veem a cloroquina como uma opção para combater ou amenizar os sintomas da doença.
A coordenadora acadêmica do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, e especialista em farmácia clínica e prescrição farmacêutica, Juliana Cardoso, lembra que é importante o farmacêutico dar a devida orientação e, também, pontuar os riscos que o uso indiscriminado da droga pode ocasionar à vida e à saúde do paciente.
“Além de efeitos colaterais, que são efeitos diferentes daqueles considerados como principal por um fármaco, o indivíduo se expõe a uma chance de reação adversa, que se caracteriza como qualquer resposta prejudicial ou indesejável, não intencional, a um medicamento.”
Juliana cita que, entre as consequências, cabe reforçar ao paciente os riscos aos quais ele fica exposto, como “intoxicações, insuficiências hepáticas e até mesmo hepatite medicamentosa, que é uma grave inflamação do fígado causada pelo uso prolongado de medicamentos”, explicou.
Bianca Viana
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