Ministério da Ciência e Tecnologia destina R$ 2 milhões da Covid a laboratório sem relação com a doença
TCU diz que custeio de iniciativas não relacionadas à pandemia caracteriza infringência à legislação
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação incluiu em seu projeto de gastos das verbas extraordinárias para a Covid-19 a elaboração de um laboratório de biossegurança nível 4 no Brasil, que nada tem a ver com o estudo do coronavírus. O projeto que dá início ao planejamento da infraestrutura foi orçado em R$ 2 milhões, com previsão de término para dezembro de 2022.
O estudo foi incluído no plano de ações da pasta na execução das medidas provisórias que liberaram créditos para medidas de enfrentamento do coronavírus. A situação foi identificada pelo TCU (Tribunal de Contas da União), no relatório que acompanha o uso das verbas da pasta do ministro, o astronauta Marcos Pontes.
O órgão recomendou, no mês passado, que o órgão se abstenha de custear despesas relativas ao projeto do laboratório. De acordo com o tribunal, o redirecionamento dos recursos oriundos das MP 929 e 962/2020 para custeio de iniciativas não relacionadas ao combate à crise de Covid-19 caracteriza infringência à legislação.
A Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. “O projeto conceitual para implantação do laboratório NB4 não cumpre os requisitos para financiamento por meio do crédito extraordinário das MPs 929 e 962/2020, dado que a sua finalidade precípua não é atender a presente emergência decorrente do Coronavírus”, afirmou.
Segundo parecer da Secretaria Geral de Controle Externo do tribunal, não há evidências de que se trata de iniciativa de caráter urgente e imprevisível para o uso da verba, conforme determina a legisção. Por isso, pede que a pasta adote medidas pertinentes para sanar a irregularidade, caso já tenha ocorrido. Os chamados Laboratórios de Nível de Biossegurança 4 (NB4) são indicados para trabalhos que envolvem agentes exóticos e perigosos e que exponham o indivíduo a um alto risco de contaminação de infecções que possam ser fatais.
São estruturas de elevada complexidade destinadas ao armazenamento e à manipulação de organismos de elevado potencial de transmissão, classificados como microrganismos da classe de risco quatro. O coronavírus pertence à família Sars-Cov-2, classificada como de risco três. O gasto com o laboratório NB4 foi incluído no repasse de R$ 45 milhões do ministério para o Cnpem (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), organização social que tem contrato com o órgão, para iniciativas de combate a viroses emergentes.
Neste valor também estão incluídas a contratação e elaboração de projetos para laboratório nível 3, desta vez compatível à Covid, mas que ficará pronto em dezembro deste ano. Segundo o TCU, no que tange à área de pesquisa, a noção de urgência prende-se à necessidade de iniciar, com a máxima celeridade possível, as atividades que se mostrem efetivas para o enfrentamento da pandemia e de suas consequências.
Entre as iniciativas sob responsabilidade do MCTI, estão o desenvolvimento de medicamentos e vacinas, e respectivos testes pré-clínicos e clínicos, inovação para produção de ventiladores pulmonares em escala e equipamentos de proteção individual. Em documentos enviados ao TCU obtidos pela Folha, foi explicado que projetos de laboratórios do tipo exigem uma infraestrutura que atenda requisitos rigorosos e complexos de operação. Além disso, outro afirmou que não há um planejamento do governo a longo prazo para a construção de laboratórios de alta e máxima biossegurança. Nesse contexto, o TCU concluiu que, se efetuadas de forma descoordenada e fragmentada, os investimentos no laboratório podem resultar na competição por recursos e visibilidade entre órgãos e entidades da administração pública.
“Frise-se, no caso do projeto para adequação de infraestrutura para implantação do laboratório NB3 e do projeto conceitual para implantação do laboratório NB4 do Cnpem, que estes foram propostos somente a partir da situação emergencial observada em 2020, sem, portanto, integrar um plano federal estratégico para implantação de laboratórios desse porte”, apontou o tribunal.
O TCU ressaltou que todos os recursos destinados à organização foram empenhados e pagos, mas que não foi possível verificar se já foram efetuados gastos relativos ao projeto do laboratório NB-4, “situação que, se constatada, e tendo em vista tudo que se expôs, deverá ser considerada irregular”. O ministério informou ao tribunal que, após as considerações do TCU, se encontram em tratativas a revisão dos recursos estimados no plano de ação e que uma proposta de adequação foi submetida para análise. Também afirmou que o CNPEM fará o remanejamento de despesas aos estudos do laboratório para outra fonte de recurso.
O tribunal respondeu que irá acompanhar a ação. Em resposta à Folha, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais afirmou que, em alinhamento com o entendimento do TCU, não realizou o dispêndio de R$ 2 milhões destinados do crédito extraordinário das MPs 929 e 962/2020, para o projeto conceitual do NB4, fazendo as adequações necessárias. O Ministério da Ciência não respondeu até a conclusão desta reportagem .
Bianca Viana
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