O brasileiro não está conseguindo pagar as suas contas e está sofrendo por isso. É o que mostra uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de proteção ao crédito (SPC) revela que 8 em cada 10 pessoas nesta situação sofreram impacto emocional negativo por conta das dívidas. Hoje, com boa parte da população isolada e confinada por conta do coronavírus, a tendência é que este número aumente ainda mais.
Afinal, o número de inadimplentes já é grande no Brasil. Um outro levantamento da mesma CNDL/SPC mostra que o Brasil tem 61 milhões de brasileiros negativados. Como esses dados são de janeiro, essa quantia também deve ter tido um crescimento considerável graças ao avanço da pandemia e o fechamento de lojas e do comércio em geral, que resultou em mais pessoas desempregadas.
Não era esse o cenário esperado para 2020. Longe disso. Daniel Sakamoto, gerente de projetos da CNDL, afirma que o mercado de trabalho começou o ano em uma crescente, mas que a COVID-19 mudou tudo. “Por isso resolvemos fazer uma análise diferenciada da inadimplência, com olhar humano, para entender o que as pessoas estão sentindo neste momento”, diz.
Para piorar, como atravessamos uma crise estrutural (que impacta todos os setores da economia), a população é atingida como um todo. Na pesquisa, o sentimento mais comum entre os inadimplentes foi a ansiedade, citada por seis em cada dez entrevistados (63,5%). Estresse e irritação (58,3%), tristeza e desânimo (56,2%), angústia (55,3%) e vergonha (54,2%), também foram referenciados pelos trabalhadores entrevistados para a elaboração do levantamento.
Além disso, 75,2% dos inadimplentes relataram que as dívidas tiveram impacto direto no seu padrão de vida: 39,8% parcialmente e 35,3% totalmente. Isso explica por que seis em cada dez endividados (60,0%) estavam altamente preocupados com a situação de inadimplência em que se encontravam.
Como lidar com isso?
É difícil responder a essa pergunta. Afinal, somente a própria pessoa sabe o quanto estar negativado afeta a própria vida, assim como fica mais difícil fazer planejamentos com tanta pressão na cabeça. Mas há maneiras para amenizar esse desconforto.
Em entrevista ao CNN Brasil Business, Monja Coen, fundadora da Comunidade Zen Budista no Brasil, tenta ajudar a lidar com a situação. “Primeiro, precisamos lembrar: a crise não é só para mim, não é um castigo para mim, não é uma coisa que está acontecendo comigo. Se olho à minha volta, tem uma multidão no mundo inteiro na mesma situação”, contemporiza.
Sakamoto, da CNDL, reforça o sentimento e entende que o Brasil não estava pronto para lidar com uma recessão desta magnitude. “Ninguém estava preparado para uma crise desse tamanho por aqui. As pessoas não têm hábito de poupança, falta educação financeira. O mesmo pode ser dito sobre as empresas, algumas sem caixa para aguentar 30 dias de queda no faturamento”, explica.
Não conseguir pagar a dívida (30,8%) é o principal temor dos endividados ouvidos no levantamento, seguido de não poder parcelar novas compras (13,8%), ser considerado desonesto (11%), não conseguir emprego (8,5%) e não poder fazer empréstimos (8,2%). A Monja Coen acredita que, num momento como esse, as pessoas precisam deixar o orgulho de lado e buscar atividades, mesmo que simples, para gerar renda.
Apesar disso, ela prega cuidado com o “pensamento positivo”, tão pregado em situações complicadas como a atual. “Pode ser um problema. Você ocupa sua mente com uma coisa que ela não está pensando. Cansa, porque estamos passando por uma crise realmente muito grave”, diz. “Neste caso, o medo faz com que você cuide. Mas está na hora de mudar os hábitos, inclusive esse hábito de ficar nervoso.”
A verdade é que situação de inadimplência é capaz até de tirar o sono dos endividados. Por volta de 43% dos entrevistados relataram terem sofrido com insônia ou excesso de vontade de dormir e 32,3% apresentaram modificações no apetite, sentindo mais ou menos fome do que de costume.
Além disso, quatro em cada dez endividados procuraram se dedicar a atividades que os ajudassem a não pensar nos problemas advindos das contas em aberto, 28,2% aliviaram suas ansiedades em algum vício (como cigarro, bebida ou comida) e 24,7% acabaram comprando mais do que de costume – ou até perdendo o controle do consumo.
Para retomar as rédeas da sua vida, a Monja sugere uma técnica de respiração típica do Yoga. “Sempre que estamos nervosos, a respiração fica pulmonar. Coloca a mão no abdome e fala: ‘será que ele está inchando quando eu inspiro?’ Aí você vai sentindo, o ar vai preenchendo os pulmões, a caixa torácica se expande, chega nos alvéolos pulmonares”, ensina.
“Dá uma pequenina pausa, depois solta devagar, de cima para baixo, e termina com uma contração do baixo abdome. Se fizer isso de hora em hora, vai ver que entra no eixo de equilíbrio. E, a partir disso, vamos criar causas e condições para que quando essa crise passe, que você tenha atividades que vão criar renda, sem causar contágio.“
Apontando para o futuro, Sakamoto também acredita que a sociedade irá evoluir após a pandemia. “Acredito que vamos caminhar para um maior entendimento, perceber que as pessoas são interdependentes. Empresa e trabalhador não podem ter conflitos, precisam estar juntos”, afirma. Ou seja, é possível que saíremos mais forte disso.
Coen, no entanto, não é tão otimista. “Eu gostaria, essa é a minha utopia, que a humanidade tenha o despertar da consciência. Precisamos criar uma sociedade mais justa, mais participativa, mais cooperativa. Mas que nós humanos esquecemos (das lições), de fato, esquecemos.”
Bianca Viana
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