Para muitas mulheres, a maternidade é uma dádiva, mas também um desafio. Principalmente, para as mães que encaram a chamada tripla jornada: criar os filhos e trabalhar dentro e fora de casa.
A carga dessa rotina atribulada tem causado problemas à saúde dessas mulheres, fazendo-se necessário repensar a atribuição de tarefas na criação dos filhos e afazeres domésticos.
Essa realidade foi mostrada no estudo “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, publicado pelo IBGE, em março deste ano. A pesquisa expôs que as mulheres que trabalham fora de casa dedicam quase 80% a mais do seu tempo do que os homens com afazeres domésticos.
Neste domingo (12), Dia das Mães, o g1 traz o relato de quem reflete essa estatística e vive na pele o peso de criar seus filhos enquanto trabalha dentro e fora de casa, muitas vezes sem tempo para si mesma, em uma rotina que pode causar problemas de saúde.
A psicóloga Maria dos Milagres Lima, de 32 anos, trabalha, há cerca de cinco anos, no atendimento de mães da gestação até um ano pós-parto, e revelou que duas das maiores queixas que recebe de suas pacientes são de ansiedade e exaustão mental.
"Essa exaustão mental é exatamente devido às grandes atribuições. Porque quando a mulher se torna mãe, ela não deixa de ter todos os papéis em que ela desempenhava antes do bebê. Pesquisas mostram que o trabalho de cuidar do filho e gerenciar outras atribuições muitas vezes é mais cansativo. Então hoje temos mães cansadas, sobrecarregadas, com sintomas de ansiedade, com débito de sono e várias outras consequências", explicou.
"Não tenho mais ânimo para mais nada"
A cozinheira Shirlianne Jaqueline, de 42 anos, é mãe de 5 filhos: Anne vitória, de 23 anos, Gustavo César, de 19, Francisco Henrique, de 15, Maria Júlia, de 12, e Sophia Maria, de 7 anos. Ela trabalha das 7h às 15h20 e, quando chega à sua residência, por volta as 17h, ainda faz a limpeza da casa e prepara o jantar.
"Não tenho tempo para descanso, lazer. Saio do trabalho, vou de ônibus, chego em casa e já vou limpar e preparar o jantar. No fim do dia estou tão cansada que não tenho ânimo para fazer mais nada", contou.
No caso de Shirlianne, ela ainda divide parte de suas atribuições com sua rede de apoio, como são chamadas as pessoas que dão suporte e auxiliam as mães. "Minhas irmãs me ajudam levando minha filha mais nova para a escola e minha filha mais velha, que é meu maior apoio dentro de casa. Costumo dizer que ela é meus braços e minhas pernas", relatou.
Os filhos adolescentes frequentam escola de tempo integral, ou seja, passam o dia na escola. "A mais nova sai da escola meio-dia e ficar na casa da minha mãe, com minha irmã ou minha mãe cuidado dela", explicou Shirlianne.
Ela e o pai dos filhos são separados há cerca de cinco anos. "Ele é presente na vida dos nossos filhos. Mas ele também tem uma rotina completa. Então tudo com relação às crianças fica comigo. O apoio dele é mais financeiramente ou quando estou com dificuldades em relação ao mau comportamento deles. Por isso se torna mais cansativa minha rotina. Médico, reuniões nas escolas, tudo é comigo ou com minha filha mais velha", disse.
Paternidade ativa
A psicóloga Maria dos Milagres relatou que a exaustão materna é algo comum e que traz prejuízo no relacionamento das mães com elas mesmas, com os filhos, com o companheiro, a conjugalidade e com o trabalho. Segundo a especialista, a paternidade ativa, quando o pai participa efetivamente da criação dos filhos, contribui para que as mães tenham melhor qualidade de vida.
"Muitas vezes há uma irritabilidade maior e dificuldade de gerenciar as demandas do dia. Porque essa mulher tem baixa energia. Muitas vezes por não conseguir ter práticas de cuidado com ela mesma. Geralmente, a mãe cuida de muitas atividades e acaba sendo desviado o olhar para o cuidado dela e isso acontece muitas vezes por baixo suporte da rede de apoio e falta da paternidade ativa", explicou.
"Muitas vezes o que a gente precisa fazer é mexer na rotina dessa mulher. Não só dela, mas dessa família. Redistribuir tarefas, por exemplo, porque se ela está exausta significa que ela está conduzindo muito esse processo, muitas vezes sozinha ou porque tem dificuldade de delegar as atribuições", completou.
Conforme a psicóloga, algumas mães têm dificuldade de pedir ajuda. "Às vezes existe uma rede de apoio, mas ela não é acionada, porque, às vezes, a mulher tem dificuldade de pedir suporte, e também às vezes tem muita a crença de que tudo precisa ser da mulher. A sociedade ainda coloca que essa mulher que é responsável por tudo, esse bebê, essa criança, toda a rotina, é 100% de responsabilidade dela", afirmou.
"Então, a gente vai colocando os papéis e as atribuições e as responsabilidades, porque quando essa mulher assume todas essas responsabilidades com o filho para si, ela tende a ter uma culpabilização muito maior diante de algum desafio, diante de alguma frustração, diante de algum processo que não ocorreu como ela gostaria", completou.
Buscar uma rotina mais saudável
Maria dos Milagres afirmou que uma rotina com altas doses de estresse durante o dia, muitas irritabilidades, sobrecarga e cobrança, gera desconforto e consequências psicológicas que podem levar a mãe a desenvolver exaustão, ansiedade, além de sinais e sintomas depressivos. Por isso, é necessário buscar uma rotina mais saudável.
Maria dos Milagres afirmou que uma rotina com altas doses de estresse durante o dia, muitas irritabilidades, sobrecarga e cobrança, gera desconforto e consequências psicológicas que podem levar a mãe a desenvolver exaustão, ansiedade, além de sinais e sintomas depressivos. Por isso, é necessário buscar uma rotina mais saudável.
"Isso muitas vezes é negligenciado. Não é 'mimimi', não é falso, não é falta de vontade ou 'frescura', termos que escuto no consultório. Existe uma mãe que está cansada. Às vezes, aquele bebê, criança, está linda, arrumada, cheirosa, e a mãe, ninguém está olhando. Isso é importante da gente olhar, porque essa rotina disfuncional, muitas vezes sem nutrir a saúde dessa mãe, não só no aspecto psicológico, mas no aspecto físico", explicou.
Para isso, a psicóloga recomenda atividade física. "Ela é essencial para a saúde mental. A saúde nutricional também é importante. O débito de sono é outro fator às vezes muito forte. Algumas mulheres conseguem se adaptar, com menos pré-juízo, digamos assim, outras já tem uma dificuldade maior e tudo isso vai trazendo no corpo uma resposta, vai ficando no nosso sistema e vai nos gerando mais ansiedade, tristeza. Isso pode trazer um adoecimento. Favorece também às vezes a construção de pensamentos não saudáveis, baixa autoestima e sentimento de solidão, por exemplo", completou.
Atividade físiva como escape
A empreendedora Cristina Vidal, de 31 anos, é mãe de um filho de 4 anos, o Heitor. Ela divide sua rotina entre os cuidados com o filho, a casa, sua loja online e alguns trabalhos freelancers na área de UI e UX Design. Ainda assim, ela consegue encontrar um tempo para si e praticar atividade física.
"É a hora que consigo fazer alguma coisa por mim. Então, eu tenho esse escape. Nesses momentos que saio para fazer atividade física, minha mãe fica com meu filho, porque meu marido está trabalhando. Quando meu filho adoece fica mais difícil ter algum tempo fora da rotina de mãe, porque ele só quer a mãe, não quer outra pessoa", afirmou.
Na maior parte do dia, a rotina de empreendedora é cuidar do meu filho. "A escolha da minha profissão atual foi justamente por conta dele, para estar em casa com ele, já que nós não temos babá e a minha mãe, que é uma das minhas redes de apoio, não tem como ficar com meu filho e me dar esse suporte para que eu possa trabalhar fora de casa", contou.
O marido de Cristina, o analista de sistemas Danilo Carvalho, trabalha em regime de home office e divide os cuidados do filho sempre que possível. "Ele trabalha de 9h às 18h, com intervalo de almoço de uma hora. Apesar dele estar em casa, ele não pode me dar esse suporte de ficar com nosso filho. Mas, mesmo ele trabalhando todo esse tempo, qualquer coisa que eu precise, ele sempre está disponível", completou.
Danilo relatou que a paternidade ativa veio de forma natural. "Eu tinha muita vontade de ter filho, ser participativo na vida dele. Não é como a mãe dele, porque tem coisas que ela domina melhor e eu preciso da ajuda dela, mas eu gosto muito de ter esse cuidado porque me aproxima dele", disse.
"Por isso, mesmo trabalhando muito, procuro ficar com ele no tempo livre que consigo. Eu quero estar com ele. Imagino que quando ele crescer eu vou ser um pai próximo, que conhece o filho, porque acho que estou criando essa intimidade com ele e quero sempre manter isso", pontuou.
"É importante pedir ajuda"
Maria dos Milagres recomenda que as mães que se sintam sobrecarregadas peçam ajuda. "Algumas têm dificuldade de nomear o que estão sentindo, dizer quais são as suas necessidades, os pontos que podem ser melhorados. Às vezes, o primeiro ponto é pedir ajuda", afirmou a psicóloga.
"Às vezes a mulher espera essa ajuda, mas o outro não está conseguindo ver ela, o outro não está sabendo quais são as necessidades dela. Esse pedir ajuda é, às vezes, para a família. Dizer 'olha, a gente precisa ajustar isso, está muito pesado para mim, estou com dificuldade de gerenciar isso'. Mexer nas coisas", explicou.
A especialista orienta que mãe pode dar mais atribuições para o pai e/ou para a rede de apoio. "Antes de ser mãe a gente tem uma forma de funcionar e depois que a gente se torna mãe a gente precisa às vezes desconstruir algumas crenças para reconstruir outras. Dividir as responsabilidades, os compromissos, isso é muito positivo", afirmou.
"Inclusive ajuda profissional também, porque a mulher sabe quando está em um funcionamento saudável, da mesma forma como sabe também que não está em um funcionamento saudável. É comum, às vezes, a gente negligenciar esse 'não-saudável' e não buscar ajuda, e aí as coisas vão se agravando mais. Então o pedir ajuda é algo muito importante, entretanto, é uma crença que para algumas pessoas precisa ser construída", declarou a psicóloga.
Fonte: G1
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