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Conheça a cidade onde se vive sem dinheiro, polícia e religião

A cidade não tem ruas asfaltadas e a arquitetura se organiza em torno de um grande templo central destinado à meditação

 

Uma sociedade sem polícia, na qual não se usa dinheiro, não existem as religiões e cada um contribui com sua habilidade para a comunidade. Estes eram os pilares sobre os quais em 1968 se instalou na costa de Tamil Nadu (Índia) um grupo de pessoas dispostas a levar adiante sua própria utopia, uma cidade experimental. Eram pessoas livres, cujas vidas seriam regidas por doces virtudes: igualdade, generosidade, receptividade, perseverança, humildade, sinceridade, gratidão, elevação, coragem, bondade, paz e progresso. Ela foi chamada de Auroville e está a ponto de completar 50 anos, em fevereiro do próximo ano, ainda longe de alcançar o ideal com o qual nasceu.


O objetivo inicial era construir uma cidade para 50.000 pessoas, embora atualmente seus moradores sejam 6.000, de 36 nacionalidades diferentes, a metade deles indianos. Somente 2.700 têm direito a voto. Os habitantes afirmam que o lugar conseguiu ser autossuficiente graças ao turismo, a exportação de alimentos e produtos artesanais, bem como a adoção de seus projetos de música e arquitetura no exterior.

A isso se deve acrescentar uma extensa lista de apoios internacionais ao longo de sua história, ente os quais a Comissão Europeia e o Governo de Navarra, a UNESCO e o Governo indiano, que lhes proporciona subvenção anual, segundo documentos mostrados pelos membros da comunidade.Auroville foi fundada como uma meca do modo de vida alternativo. Nas escolas se ensina o que o aluno quiser aprender na semana, tudo o que se consome é orgânico, não se vende álcool, conta com uma das maiores cozinhas com energia solar do mundo, tudo é gratuito (desde a lavanderia e creche até os cursos de filosofia e massagens)... As decisões são tomadas de modo consensual por meio de três órgãos de participação da comunidade.

A cidade não tem ruas asfaltadas e a arquitetura se organiza em torno de um grande templo central destinado à meditação (Matrimandir). Entre os moradores há um certo ar de culto aos fundadores, Sri Aurobindo e Mirra Alfassa. Referem-se a ela como "a mãe" e em todas as casas há fotografias e livros escritos por ambos.

Todos os anos são aceitas 120 pessoas, incluindo membros da casta dos dalits, condenados desde o nascimento a viver repudiados pela sociedade. Quando os habitantes morrem, são levados a um velório chamado Farewell (despedida), onde o cadáver fica em uma urna de vidro até que comece a se decompor. Só então a alma está preparada para ir embora, dizem.

A estadia mínima do visitante é de dois meses, caso se integre a um dos projetos, e nem todo mundo chega a se adaptar. Segundo conta Fabienne, que vive há 40 anos na comunidade, é frequente deparar-se com pessoas e grupos que chegam com entusiasmo e logo abandonam o local e outras que não são aceitas pela comunidade porque não cumprem os requisitos (não contribuem com trabalho, alteram a ordem social...). E quando se entra, o problema é como sair dali. Depois de viver durante anos sem ganhar dinheiro, se uma pessoa decide ir embora não dispõe de recursos para comprar nem uma passagem. Também houve muitos casos de pessoas que abandonaram Auroville e depois de alguns anos regressaram, incapazes de se integrar socialmente em nenhum outro lugar.

A liberdade que os caracteriza e da qual se vangloriam é precisamente a fonte de seus problemas. Por não ter querido todos esses anos delimitar concretamente as fronteiras, dezenas de restaurantes, centros de ioga e outros negócios fazem uso do nome Auroville para enganar os turistas. Seus habitantes estão tentando resolver esse assunto por via judicial.

Essa falta de fronteiras (32 entradas e nenhuma cerca) também tem causado problemas de insegurança. Várias mulheres denunciaram ataques por parte de moradores de cidades vizinhas contrários ao modo de vida da comunidade. Também são frequentes os roubos a turistas. Além disso, a lista de espera para viver no assentamento é de dois anos por falta de moradias e a sensação de residir em um parque temático é constante por sua relativa dependência do turismo."

Auroville é um refúgio, é um pequeno laboratório para trabalhar com as doenças do ser humano e buscar uma cura. Tudo o que acontece no mundo exterior acontece aqui também", explica Joseba, um basco que está há 22 anos na cidade e é um dos 50 espanhóis que ali residem. É um dos diretores do projeto Sacred Groves, no qual participam de modo voluntário arquitetos de todo o mundo experimentando novas formas de construção ecológica e sustentável. Os espanhóis Joan e Aloka ensinam a única disciplina obrigatória nas escolas. ATB (despertar a consciência por meio do corpo), na qual se aprende a identificar que emoção se está sentindo e em que parte corporal se manifesta. A partir dos 16 anos os estudantes escolhem entre continuar estudos homologados ou uma educação baseada em ofícios e artes.

Muitos dos projetos que a comunidade desenvolve são exportados. No laboratório de música, um dos instrumentos de destaque é a nidra anantar, uma cama de massagens em cuja parte inferior estão instaladas 50 cordas, de modo que quando alguém as aperta por baixo a pessoa que está deitada recebe os benefícios da vibração. Também contam com o Centro de Educação Dental e Ação Rural (ADCERRA) no qual são formadas mulheres dalit para que aprendam a eliminar cáries de modo natural nas crianças de suas comunidades, já que num entorno tão pobre esse é o único serviço a que podem recorrer (segundo o informe demográfico sobre odontologia da Revista Indiana de Ciências Odontológicas, 70% dos indianos vivem em áreas rurais sem serviços odontológicos e se estima que apenas a metade da população do país use escova de dentes).

Na cerimônia de inauguração da comunidade compareceram 5.000 pessoas, entre as quais representantes de 124 países que depositaram ali um punhado de terra de seu lugar de procedência. Para o aniversário de cinquenta anos, em 2018, esse mesmo ritual será repetido e estará presente o presidente da Índia, Narendra Modi. O assentamento mantém muitas das frentes abertas há 50 anos e ainda está muito longe da utopia.

Fonte: El Pais

Por Otávio Neto

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