Já faz tempo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou guerra aos embutidos. Produtos como salame, mortadela e salsicha têm sido associados ao risco aumentado de desenvolvimento de alguns cânceres, especialmente do trato digestivo. Agora, uma nova pesquisa indica que esse tipo de iguaria, feita com carnes processadas e curadas com diversos químicos, pode piorar sintomas de pessoas que sofrem transtornos mentais. O trabalho, da Faculdade de Medicina de Johns Hopkins, nos Estados Unidos, foi publicado na revista Molecular Psychiatry, do grupo Nature.
“Não estamos tentando assustar ninguém”, esclarece Robert Yolken, pesquisador da instituição, que liderou o estudo. Ele destaca que os resultados não se referem à carne in natura nem a peixes, mas apenas àquelas que, no processo de cura, recebem adição de nitrato seco sintético para fins de conservação e condimentação. A pesquisa observacional — que não investiga uma relação de causa e efeito — constatou, em um grupo de mais de mil pessoas com e sem diagnóstico de transtorno mental, que aquelas hospitalizadas devido a um episódio de mania apresentam chances três vezes maiores de terem consumido embutidos, comparado às demais.
A mania é uma condição caracterizada por hiperatividade, euforia e insônia, sintomas que duram de semanas a meses, e é associada ao transtorno bipolar e à esquizofrenia. Quando se encontra neste estado, o paciente pode se envolver em comportamentos de risco e sofrer alucinações; por isso, geralmente, passa por diversas hospitalizações até estabilizar. Yolken esclarece que fatores genéticos estão entre os desencadeadores, mas, sozinhos, não conseguem explicar as causas, o que sugere a influência de questões ambientais, como a dieta.
Os nitratos sintéticos utilizados na indústria alimentícia já foram associados anteriormente à perturbação mental. Segundo o pesquisador, estudos com ratos feitos pela equipe de Johns Hopkins demonstraram que a substância adicionada à alimentação desencadeia hiperatividade e mania nos animais poucas semanas após o uso. Agora, os cientistas resolveram investigar se, em humanos, o consumo de embutidos, que têm quantidades elevadas desses compostos químicos, também tem relação com o desencadeamento de estados mentais alterados.
O interesse inicial de Yolken era investigar se a exposição a agentes infecciosos por meio da alimentação teria ligação com condições psiquiátricas. Curiosamente, em 1907, o psiquiatra Adolf Meyer, do mesmo Johns Hopkins, havia sugerido que infecções crônicas podem responder por parte das condições psiquiátricas, uma ideia ainda hoje debatida e baseada na teoria de que, ao agir diretamente no cérebro, alguns patógenos desencadeiam sintomas mentais. Outra hipótese é de que esse papel seja desempenhado pelo próprio sistema imunológico que, em vez de combater apenas os vírus/bactérias, passa a agir nos tecidos cerebrais.
Com essa ideia, Yolken coletou dados demográficos, dietéticos e de saúde de 1.101 pessoas de 18 a 65 anos, com e sem distúrbios psiquiátricos. A avaliação das informações mostrou que, entre aquelas hospitalizadas por mania, o hábito de se alimentar com carne embutida antes da internação foi três e meio vezes maior, comparado ao grupo sem transtorno mental. Em pessoas sem histórico de depressão, esquizofrenia ou transtorno bipolar, a ingestão desses produtos não teve associação com mania, o que sugere a ação dos nitratos apenas em pacientes que já sofrem de alguma condição psiquiátrica.
Flora intestinal
Segundo Kellie Tamashiro, professora de psiquiatria de Johns Hopkins, sabe-se hoje que a composição da flora intestinal tem forte influência sobre o organismo como um todo, inclusive o cérebro. “A mania é um estado neuropsiquiátrico complexo e tanto as vulnerabilidades genéticas quanto os fatores ambientais parecem envolvidos no surgimento e na severidade de transtorno bipolar e episódios maníacos associados. Nossos resultados sugerem que a carne curada por nitrato pode ser um dos elementos ambientais que mediam a mania”, explica.
Tamashiro ressalta que a pesquisa é mais uma a evidenciar o papel da interação entre alguns alimentos e a flora intestinal com transtornos que afetam o cérebro. Em 2014, uma revisão de 12 estudos epidemiológicos que investigaram a associação da dieta na saúde mental encontrou um “padrão consistente da relação entre uma dieta de boa qualidade e uma saúde mental melhor e alguma evidência do contrário”, de acordo com o artigo publicado na revista American Journal of Public Health. Os pesquisadores da Universidade de Deakin, na Austrália, também destacaram que a dieta ocidental, rica em carne vermelha, açúcar e gordura saturada, foi relacionada a problemas como depressão e hiperatividade.
Robert Yolken acredita que estudos capazes de estabelecer uma relação de causa e efeito entre os nitratos e a mania em pacientes psiquiátricos poderão oferecer uma janela terapêutica. “Trabalhos futuros sobre essa associação poderiam levar a intervenções dietéticas para ajudar a reduzir o risco de episódios maníacos naqueles com transtorno bipolar ou vulneráveis à mania por outros motivos”, diz.
Por Fábio Wellington
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