Leia Armitage, 7, viveu em silêncio total durante seus dois primeiros anos de vida. Hoje, graças a uma cirurgia pioneira no cérebro e a anos de terapia, a menina britânica conseguiu descobrir - e usar - a própria voz.
"Ouvimos (dos médicos) que nem se colocássemos uma bomba atrás da orelha dela ela escutaria a detonação", conta o pai de Leia, Bob, lembrando-se do momento em que descobriu que sua filha bebê tinha um tipo raro de surdez profunda.
Leia não tinha o nervo auditivo, o que significa que nem mesmo aparelhos auditivos ou implantes cocleares poderiam ajudá-la. Eram poucas as perspectivas de que Leia aprendesse a falar.
Diante desse quadro, os pais de Leia brigaram para que ela fosse uma das primeiras crianças britânicas a serem submetidas a uma cirurgia cerebral - ainda arriscada -, para a colocação de um implante auditivo no tronco encefálico.
Leia passou pela cirurgia aos dois anos.
O NHS, sistema de saúde público britânico, afirma que a cirurgia é "capaz de mudar vidas" e que financiará novos procedimentos para outras crianças em situação similar à de Leia.
'Oportunidade na vida'
Bob conta que foi muito difícil a decisão de submeter a filha à cirurgia, mas que ele e a mulher Alison queriam "dar a Leia a melhor oportunidade na vida".
O casal esperava que a cirurgia permitisse à menina passar a escutar carros buzinando quando ela atravessasse a rua - para que pudesse, enfim, se locomover fora de casa com mais segurança.
Mas, nos cinco anos passados desde o procedimento, o progresso de Leia superou muito essas expectativas iniciais.
Começou devagar, pouco depois da cirurgia, com Leia reagindo a sons como o das portas do metrô.
Aos poucos, ela passou a entender o conceito de som à medida que seus pais repetiam palavras e pediam que ela os imitasse.
Hoje, após anos de fonoaudiologia e outras terapias, ela consegue falar frases completas, cantar músicas e escutar conversas no telefone.
"Se ela estiver no andar de cima da casa e a gente chamar, ela vai ouvir", conta Bob.
'Eu te amo'
Mas é na sala de aula (ela frequenta uma escola tradicional, com crianças de audição regular) que Leia está tendo o desempenho mais surpreendente, graças a assistentes que a acompanham individualmente, usando linguagem de sinais.
"Ela está aprendendo cada dia mais e não está muito atrás dos demais na maioria das coisas", prossegue Bob.
Em casa, o que deixa Bob e Alison mais felizes é ver Leia usando a própria voz.
"'Te amo, papai', é provavelmente a melhor coisa que já ouvi ela dizer", conta ele.
"Quando estou colocando ela para dormir, ela já diz 'boa noite, mamãe', algo que eu nunca imaginei ouvir", agrega Alison.
A cirurgia
A cirurgia pela qual Leia passou é pioneira e envolve inserir um aparelho diretamente no cérebro, para estimular os canais auditivos em crianças nascidas sem os nervos específicos.
Um microfone e um processador de som acoplados ao lado da cabeça transmitem o som ao implante.
Esse estímulo elétrico é capaz de prover sensações auditivas, mas nem sempre consegue restaurar uma audição normal.
No entanto, o otologista Dan Jiang, diretor clínico do Centro de Implantes Auditivos do Guy's and St Thomas' NHS Foundation Trust, explica que algumas crianças, como Leia, conseguem desenvolver a fala.
"Os resultados variam muito. Alguns pacientes se saem melhor do que outros", diz. "Exige adaptação, e crianças pequenas se adaptam melhor, então gostamos de inserir o implante o mais cedo possível."
Crianças com menos de cinco anos têm mais facilidade em aprender novos conceitos de som e respondem bem a terapias intensivas, ele agrega.
Susan Daniels, executiva-chefe da Sociedade de Crianças Surdas do Reino Unido, afirma, ao mesmo tempo, que "cada criança surda é diferente e, para algumas, tecnologias como implantes cerebrais podem fazer uma enorme diferença em suas vidas".
"Com o apoio adequado, crianças surdas conseguem se sair tão bem quanto as que escutam, e esse investimento (na cirurgia) é mais um passo importante em direção a uma sociedade em que nenhuma criança surda fique para trás."
Fábio Wellington
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