Às 3h45, em plena madrugada, Margarete Santos, de 39 anos, segurava um arranjo de flores e assistia em silêncio a terra encobrir o caixão do marido Claudinei Carlos Barboza, de 30. Acompanhando a viúva havia apenas uma tia e quatro coveiros, que, mesmo aparentando cansaço, se esforçaram para acabar o trabalho o quanto antes. Entre o corpo chegar ao cemitério e o fim do sepultamento passaram exatamente 15 minutos.
Aquela era sexta vez em poucas horas que a cena se repetia no Cemitério Municipal de Itaí, no interior de São Paulo, cidade onde moravam 37 dos 41 mortos no acidente entre uma carreta e um ônibus com funcionários de uma fábrica têxtil. Com muitos corpos a enterrar e orientação do Instituto Médico-Legal (IML) para evitar o mau cheiro, os velórios duravam cerca de duas horas e os sepultamentos, feitos a toque de caixa e na presença de poucas pessoas, vararam a noite. Todos os caixões estavam fechados. Em alguns, havia apenas uma pequena foto da vítima.
"Ele gostava muito de pescar e estava pronto para ajudar o outro. Fazia amizade muito fácil", Margarete descreveu o marido, com quem vivia há cerca de sete anos. Foi por esse mesmo período que Barboza trabalhava na fábrica. "Vivia reclamando que o motorista do ônibus corria muito e a pista era perigosa, sempre via acidente."
Sem iluminação adequada, o cemitério precisou receber caminhões de luz emprestados de concessionárias de rodovias para realizar os velórios em série. Ainda assim, familiares e parentes das vítimas tiveram de usar a lanterna de celulares para guiar os passos até as covas abertas. Durante os enterros, o silêncio era mais comum do que o choro. "A gente queria velar por mais tempo, mas só tivemos duas horas. Achei injusto", afirmou o administrador Ricardo Santos, primo de Ana Cláudia Santos, de 31 anos, a primeira vítima a chegar ao cemitério. Ao fim do enterro, houve uma salva de palmas discreta. "Ela trabalhava na fábrica havia 12 anos e estava juntando dinheiro para ter um negócio .
Antes da tragédia, os novos túmulos em Itaí variavam entre 12 e 15 por mês. Só na quinta-feira, 25, no entanto, foram escavadas mais do que o dobro: 37. Os velórios foram realizados em três locais diferentes, com controle de acesso e distância de seis metros entre os caixões por causa da pandemia da covid-19.
O esforço exigiu uma força-tarefa, com a transferência de funcionários de outros setores da prefeitura para atuar nos enterros, além da ajuda de voluntários e de cidades vizinhas, como Fartura e Taguaí, o local do acidente. Para os velórios, a cidade recebeu até suporte de caixão emprestado. As três funerárias do município, até então concorrentes, também juntaram as equipes ppara dar conta dos corpos.
Alecio Rodrigues
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