O Brasil queimou R$ 1,4 bilhão em vacinas contra a Covid-19 desde 2021. O valor é referente a mais de 39 milhões de doses que venceram sem serem utilizadas e precisaram ser incineradas, de acordo com dados do governo aos quais o g1 teve acesso.
O fim da validade e a necessidade de descartar quase 40 milhões de doses foram revelados pela "Folha de S. Paulo" em março. Agora, a incineração de insumos médicos é investigada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O órgão apura se houve improbidade administrativa (quando agentes públicos causam prejuízos aos cofres públicos).
O desperdício, na visão de especialistas é consequência da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que demorou para comprar e distribuir as doses, enquanto o próprio Bolsonaro empreendia uma cruzada contra as vacinas, se recusando a se imunizar e disseminando desinformação, como fez quando associou a vacina da Covid com a Aids. A CPI da Covid, que investigou as condutas do governo federal ao longo da pandemia terminou com o pedido de indiciamento dele por 9 crimes.
O total de vacinas incineradas representa quase 5% do total comprado pelo país. Segundo especialistas em logística na saúde, é comum o descarte de medicamentos vencidos, mas o índice está acima do considerado aceitável de até 3%.
As primeiras vacinas foram queimadas em 2021, mesmo ano em que começou a imunização no país, e aumentaram em número em 2022, durante o governo Bolsonaro. Neste ano, já no governo Lula, a quantidade foi maior porque mais lotes de vacina venceram sem que houvesse tempo para dar outro destino aos insumos, chegando ao montante bilionário.
Para especialistas, o grande número de vacinas vencidas se explica por problemas de logística, pela falta de campanha de imunização e por forte propaganda antivacina ao longo da pandemia de Covid.
Procurada, a assessoria de Bolsonaro disse que o ex-presidente não tinha gerência sobre o descarte de vacinas e que havia dado "autonomia plena para os ministros".
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazzuelo, que ficou à frente da pasta até março de 2021, não se manifestou.
Falta de campanha de imunização
Segundo Gonzalo Vecina, professor na Faculdade de Medicina da USP e especialista em logística de saúde, o limite considerado aceitável para a perda de insumos é de até 3%. No caso das vacinas de Covid, foram queimados 5% do estoque comprado.
Para Vecina, que foi presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a quantidade de vacinas incineradas evidencia um "problema de gestão gravíssimo no Ministério da Saúde" durante o governo Bolsonaro.
"Isso é um desperdício. Em cálculos de administração de estoque, você aceita quebra de até 3%, isso é o máximo. Me assusta ver a quantidade de produtos bastante caros que acabaram sendo jogados na lata do lixo".
O professor de direito sanitário da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Aith é coautor de um estudo que analisou cerca de 5 mil decretos do governo Bolsonaro ligados ao combate da pandemia. O estudo foi tema do podcast O Assunto.
Para ele, o desperdício de dinheiro público com a queima das vacinas é "consequência natural da política que estava sendo adotada".
Na avaliação dele, é possível enquadrar a queima de vacinas por perda de validade como crime contra o patrimônio público porque os gestores "promoveram gastos inúteis e deliberadamente não deixaram que esses recursos chegassem ao destino de política pública".
“Foi um interesse deliberado do governo federal em não promover a vacinação e, por isso, essas vacinas ficaram em estoque. Comprou para dizer que fez a parte dele, mas não se preocupou em distribuir e capacitar os estados e municípios para aplicar, de fato, no braço das pessoas.” disse Fernando.
O que diz o governo Bolsonaro
Assessor de Bolsonaro, o ex-secretário especial de Comunicação social Fabio Wajngarten afirmou ao g1 que o ex-presidente não tinha "nenhuma ingerência [interferência] no tema" ao ser questionado sobre a queima de vacinas de Covid. "Liberdade e autonomia plena para os ministros", respondeu.
Já o ex-ministro Marcelo Queiroga disse que o Ministério da Saúde "tomou todas as providências necessárias para conter a crise sanitária" e que as estimativas de compra de vacina "foram feitas pela área técnica" e que "não compete ao ministro da Saúde fazer essas estimativas".
Sobre a investigação da PGR, o ex-ministro afirmou que "todos devem responder pelos atos que praticam na administração pública". "Seguramente, as instâncias de controle estão apurando as responsabilidades devidas. Inclusive o que houve em estados e municípios", disse.
Fonte: g1
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