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A localização da Fazenda Bitorocara em Campo Maior

 

Por Elmar Carvalho

Todos os maiores historiadores do Piauí afirmam haver existido a fazenda Bitorocara e o seu fundador, Bernardo de Carvalho e Aguiar, a começar pelo mais antigo, o padre Miguel de Carvalho, em sua Descrição do Sertão do Piauí, datada de 2 de março de 1697. O padre Cláudio Melo considera esse documento como um dos mais importantes para os estudiosos de História do Piauí, e que deveria ser de manuseio constante. Quase todos admitem que essa propriedade ficava situada em Campo Maior. Como exceção ou voz discordante, um ou outro admite haver dúvida a esse respeito.

O próprio Pe. Cláudio Melo, no prefácio ao livro Descrição do Sertão do Piauí (Comentários e notas do Pe. Cláudio Melo), após advertir que o relatório do Pe. Miguel de Carvalho exigia acurada leitura, com “reflexão e análise prudente e comparada”, em sua proverbial franqueza e honestidade intelectual, aconselhou:

“Não se arrisquem a conclusões precipitadas. Historiador de alta respeitabilidade, como Odilon Nunes, concluiu que Bitorocara era Piracuruca, quando na verdade é Campo Maior [grifo meu]. Eu mesmo há dois ou três anos escrevi um artigo para ‘Cadernos de Teresina’ que, por sorte, não foi publicado (chegou com atraso). Hoje eu não subscreveria tudo que ali afirmei.”

Todavia, o próprio Odilon Nunes, segundo afirma João Gabriel Baptista em seu livro Mapa Geohistóricos, pág. 41, teria sido pessoalmente convencido por Cláudio Melo de que efetivamente o rio Piracuruca não era o Bitorocara. E ele João Gabriel confessa também ter se convencido de que a razão estava com Melo.

Espancando qualquer dúvida que possa existir sobre a localização de Bitorocara, no livro acima citado, o padre Cláudio, um dos maiores historiadores de nosso estado, afirma, a meu ver de forma categórica e peremptória:

“De início, eu supunha que o riacho Bitorocara era o Surubim, em razão de a Fazenda Bitorocara ser a atual cidade de Campo Maior. A descoberta em Portugal da sesmaria de Dâmaso Pinheiro de Carvalho, nas cabeceiras do riacho Cobras, me fez ver que Cobras é o Surubim. Bitorocara, portanto, ou seria o Longá ou o Jenipapo. Surgiu para mim um impasse: a fazenda Serra fica no Longá e o Jatobá no Jenipapo. Como os limites da fazenda Serra não atingiam o Jenipapo, mas os limites da fazenda Jatobá podiam chegar até o Longá, concluí, por fim, que Bitorocara seria o Longá. A fazenda Bitorocara se expandia pelos três rios, e ela estava na confluência deles.” 

Para chegar a essa conclusão, pelo que se depreende de seu conselho (ou advertência), acima transcrito, o notável historiador piauiense leu e releu várias vezes e em profundidade o relatório da lavra de Pe. Miguel, com certeza cotejando-o com os vários documentos que consultou em Portugal e no Piauí, muitos deles transcritos no livro Bernardo de Carvalho, de sua autoria.

O padre Miguel, em seu relatório, indicava os rios em que as fazendas por ele referidas se situavam, preservando dessa forma a sua localização. As fazendas, na época, eram muito extensas. Ele situava três no riacho Bitorocara (Longá): a primeira, de nome Serra, ficava nas cabeceiras; a segunda, Bitorocara, se lhe seguia, e “a terceira e última deste riacho se chama o Jatobá”. Evidentemente a fazenda Jatobá ficava na margem direita do Jenipapo, que desemboca no Longá, podendo ter prosseguimento pela margem direita deste rio, uma vez que, na expressão de padre Cláudio, “a fazenda Bitorocara se expandia pelos três rios, e ela estava na confluência deles”. A linha de raciocínio do historiador obedece à lógica, e não a uma simples ilação tirada do nada, e, portanto, não merece reparo.

Como é sabido por todos, a antiga igreja de Santo Antônio do Surubim foi construída por Bernardo de Carvalho e Aguiar a pedido de seu sobrinho, o Pe. Tomé de Carvalho. Normalmente as igrejas eram erigidas pelos fazendeiros nas proximidades da casa-grande, quase sempre sobre uma colina ou outeiro. Considerando-se que a fazenda Bitorocara (antigo nome do rio Longá) ficava na margem desse rio é lógico concluir-se que ela ficava nas proximidades da igreja construída por seu proprietário nas imediações do rio Cobras, hoje Surubim.

Portanto, a fazenda Bitorocara ficava na confluência dos rios Longá, Surubim e Jenipapo, o que, admitamos, era estratégico, uma vez que haveria suprimento de água para consumo humano e do gado, e para a formação de pastagem, além de que seriam evitados problemas com eventuais confrontantes, porquanto os limites ficariam bem estabelecidos por esses cursos d’ água.

Tudo o que até aqui foi dito faz parte do terceiro capítulo da 2ª edição da versão impressa do livro Bernardo de Carvalho, o fundador de Bitorocara, de nossa autoria (EDUFPI/ACALE, 2016).

Contudo, após essa publicação, o escritor e historiador Reginaldo Miranda, membro da Academia Piauiense de Letras, que se tornou um verdadeiro detetive internético da História e, simultaneamente, um exímio paleógrafo, a decifrar intrincados, carcomidos e quase ininteligíveis e desbotados documentos antigos, às vezes verdadeiras criptografias para muitos historiadores e curiosos, descobriu, em determinado site, um documento que comprova, de forma absoluta e insofismável, que Bitorocara, uma das fazendas de Bernardo de Carvalho, ficava mesmo em Campo Maior. Em matéria postada em meu blog (http://poetaelmar.blogspot.com.br), no dia 23/09/2017), sob o título de A Fundação de Campo Maior, ele transcreve parte desse documento que comprova a sua localização. Vejamos trecho do que ele afirma, com a respectiva transcrição:

“Foi no governo de Christóvão da Costa Freire, governador e capitão general do Estado do Maranhão(1707 – 1718), que lhe foi dada a sesmaria “no sertão dos Alongazes por evocação de Santo Antônio, em um riacho cujas vertentes desaguavam no rio Jenipapo, em o qual tinha todas as fábricas de criados, escravos, cavalos e o mais necessário, e nele necessitava de três léguas de terra de comprido com uma de largo em todo o comprimento, para criação dos ditos gados e suas multiplicações, começando o dito comprimento da casa para Leste duas léguas e da mesma casa para Oeste uma légua, fazendo a largura de Norte a Sul ficando o dito riacho em meio da largura, reservando ele as voltas e pontas e da terra toda a inútil de criar gados, pelo haver povoado estando deserta” (PT/TT/RGM/C/0008. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 8, fl. 509v).

Então, seria impossível uma localização mais precisa, ficando a mesma no sertão do Longá, em um riacho que entra no Jenipapo (o mesmo da Batalha da Independência). E fora erguida sob a invocação de Santo Antônio, em cuja sede foi pelo proprietário iniciada a construção da capela, à sua custa, em 1711, para servir de matriz à freguesia de Santo Antônio dos Alongazes ou Santo Antônio do Surubim, a segunda mais antiga do Piauí, que fora criada naquele ano, pelo padre Tomé de Carvalho e Silva, sob ordens do Bispado de Pernambuco.”

Por via de consequência, se antes eu tinha a convicção de que Bitorocara ficava em Campo Maior, na confluência dos rios Surubim, Longá e Jenipapo, seguindo as pegadas e lições do Pe. Cláudio Melo, agora, com fundamento no documento “decifrado” e analisado por Reginaldo Miranda, tenho a certeza absoluta quanto a esse fato histórico, que não mais pode ser questionado ou contraditado.

* Matéria republicada com acréscimo e transcrição de trecho de novo documento, que comprova de forma definitiva que Bitorocara ficava mesmo em Campo Maior.
 

Da Redação. campomaioremfoco@hotmail.com

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