Na manhã de ontem, o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais , o físicoRicardo Galvão , entrou no gabinete de Marcos Pontes , ministro de Ciência e Tecnologia ( MCTIC ), decidido a não deixar seu posto. Uma hora depois, saiu da sala com o recado de que será exonerado . A decisão marcou o final do cabo de guerra que disputou contra o presidente Jair Bolsonaro e outros titulares da Esplanada dos Ministérios, como Ricardo Salles ( Meio Ambiente ), que contestam os alertas sobre o avanço do desmatamento divulgados pela instituição.
Para explicar as polêmicas que levaram ao confronto direto com o Palácio do Planalto, Galvão lembrou críticas a seu trabalho que brotaram logo nos primeiros dias de governo em outro endereço — o Ministério do Meio Ambiente ( MMA ). Segundo o físico, Salles foi constantemente crítico às medições de desmatamento, mas nunca o procurou para discutir o tema. Enquanto isso, Galvão diz que desde janeiro é difícil a comunicação do instituto com o Ibama , órgão subordinado a Salles que deveria combater os focos de devastação mapeados pelo Inpe .
Procurados, o MMA e o Ibama não responderam.
Duas semanas atrás, questionado sobre o aumento do desmate na Amazônia, Bolsonaro contestou os dados do Inpe e disse que Galvão poderia estar “a serviço de uma ONG”. O físico revidou, acusando o presidente de tomar uma atitude “pusilânime e covarde”.
— O ministro (Pontes) disse que ia me exonerar, porque minha situação com a presidência ficou complexa, e não poderia haver na direção do Inpe alguém em quem eles (o governo) perderam a confiança — disse Galvão ao GLOBO.
O diretor do Inpe tinha mandato de quatro anos, que seria concluído no final do ano que vem, o que não impede o governo de exonerá-lo. Em nota, o MCTIC agradeceu seu “profissionalismo à frente do instituto” e anunciou que a escolha de seu sucessor “se dará de acordo com o mérito necessário”.
Ex-ministros , ambientalistas e membros da comunidade científica temem que a exoneração de Galvão abra portas para a censura aos alertas de desmatamento emitidos pelo Inpe. Bolsonaro afirmou recentemente que os dados deveriam ser enviados ao Planalto antes de serem divulgados. Pontes já defendeu a revisão dos dados, e Salles apontou “inconsistências e erros” nas medições.
‘Sem precedentes’
Presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich diz que o governo misturou “ciência e política”:
— O Estado não pode inibir ou censurar pesquisas, e as instituições científicas não devem se amedrontar, pensando que a revelação de dados inconvenientes para o governo resultará em exonerações.
Em nota, o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace , Márcio Astrini, afirmou que “o governo vem implementando no país um projeto antiambiental, que sucateia a capacidade do Estado de combater o desmatamento”.
Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima , avaliou que o diretor do Inpe “selou seu destino” ao não se calar diante das “acusações atrozes” de Bolsonaro ao instituto: “Ao reagir, Galvão também preservou a transparência dos dados do desmatamento”.
Vinte e um diretores de centros de pesquisa federais enviaram carta a Pontes, afirmando que Bolsonaro está “mal informado” sobre a coleta de dados científicos, que não devem ser “passíveis de condenação para atender a conveniências políticas”.
Em sua capa desta semana, a inglesa “ The Economist ” afirmou que o “mundo tem de deixar claro para Bolsonaro que não vai tolerar seu vandalismo” na área ambiental, e que os parceiros comerciais do país devem condicionar seus acordos ao “bom comportamento” no setor. Também a “ Nature ”, uma das mais respeitadas revistas de ciência do mundo, publicou artigo intitulado “‘ Trump tropical’ desencadeia crise sem precedentes para a ciência brasileira”.
José Sérgio
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