UMA GRANDE PAIXÃO
Não sei de onde vem esta grande paixão que me acompanha a tanto tempo!
Não sei de onde vem esta paixão por chuva, que me acompanha desde que me entendo por gente! Deve ser por eu ser filha, neta e bisneta de lavradores e roceiros, que sempre sobreviveram do trabalho no campo, do plantio, das colheitas e das chuvadas de inversos ou das chuvas de verão.
Mas no inverno, não tem explicação. Cada pingo que cai molha meu coração e inunda minha alma. Me faz viajar rumo ao interior de mim mesma. Aqui sentada em silêncio e solidão, volto no tempo: chuvas de vários tempos e diversos lugares. De passados recentes e outros distantes, viajo na linnha do tempo, até chegar à primeira chuva de que me lembro.
Estava eu na casa de meus avós paternos, no sitio Perseverança, não sei precisar quantos anos eu poderia ter, talvez 6, 5 ou menos... Lembro que estava na janela da casa de palha, vendo os pingos caírem e causarem buracos no chão varrido e limpo do terreiro, formando poços, onde mais tarde eu iria pisar, molhar meus pés de criança inocente, na inocente brincadeira com meus primos e manos. Mas o que me deixava encantada, era o barulho que ela fazia na palha, um barulho sonoro e cadenciado, que para meus ouvidos, até hoje, são mais belos que as mais belas músicas que eu iria conhecer um dia!
Da janela, eu olhava a forte chuva. Era início da tarde, quando de repente o sol se encobriu de pesadas e grossas nuvens negras, deixando o dia parecendo noite, onde os relâmpagos cortavam o céu e me fascinavam, ao invés de me amedrontarem. Eu tinha medo era do trovão. Esse sim, ecoava lá no fundo de meu ser me intimidando, mas não o suficiente para me obrigar a deixar meu posto de expectadora e ir pro colo de minha mãe ou de algum dos adultos da casa.
Meus olhos ficavam hipnotizados com os grossos pingos que formavam uma “vala” ao redor de toda a casa, por causa da força, da intensidade e da constâncias dos pingos, e mais tarde eu veria meus primos maiores colocarem barcos de papel para descerem na correnteza forte que fariam as águas!
Na sala ao lado, as pessoas grandes conversavam animadamente ao redor da mesa, perto do fogão de lenha que os esquentava do frio, enquanto tomavam um cheiroso café coado por minha avó Mariana, mãe de meu pai. Falavam de tudo.... Ali de onde eu estava, separada apenas por uma meia parede - como era costume nas casas simples do interior - eu ouvia apenas pedaços das conversas, que eram sobre o plantio e a perspectiva de um bom inverno...
De repente, um de meus primos conseguiu "cegar" os adultos e foi banhar na chuva. Que vontade que me deu... Mas antes que eu conseguisse escapar da vigilância também, aquele primo já estava de volta pendurado pela orelha e embaixo de reprimendas sobre os perigos de banhar na chuva e sobre os riscos dos raios... E neste dia eu fiquei sabendo que raio pode ser perigoso, que são belos, mas são fatais...
Aprendi neste dia que o que é belo nem sempre é bom! Aprendi também que o que é bom, nem sempre é permitido! Quanto aprendizado!
E assim fui aprendendo com a vida, e acumulando aprendizados, alguns coloco em prática, outros esqueço e acabo sofrendo as conseqüências, porque a vida... a vida não brinca de faz de conta, ela é de verdade, como a chuva que molha se eu ficar lá fora!
O que sei é que amo chuva, amo chuva no campo e amo Campo Maior, e quando chove em campo Maior, tenho vontade de correr pro campo...
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