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  16:40

O que deixei de ser quando eu cresci!

Crescer é doloroso, disse algum pensador sofrível, mas também é necessário. No mês das crianças, convido o(a) leitor(ora) a buscar na memória os sonhos infantis sobre o que se desejava ser ao crescer no mundo dos adultos...

 Fonte: foto da internet

Recentemente aniversariei 40 anos. E nessa contabilidade simples do saldo da existência, uma postagem de rede social me instalou uma dúvida inédita e pânica: “O que deixei de ser quando eu cresci?”.

Diante da esfinge interrogativa que me encontrou dias depois de fazer 40, rememorei que da infância à adolescência imaginava todo tipo de profissão para mim. Descortinei algum tipo de futuro profissional: pedreiro, pianista, astronauta, dono de bar, advogado, pintor, caminhoneiro, jogador de futebol, comediante, mendigo. Para cada uma dessas profissões idealizadas havia um talento que eu não possuía ou um defeito que me sabotava o sonho.

Tudo eram aspirações de infância. A princípio queria seguir meu pai (pedreiro) e adotar seus passos, no que ele me pediu para seguir mais adiante; um vislumbre por piano nasceu de uma apresentação de um pianista que vi na TV e, ao descobrir que havia mais teclas que dedos para tocar, toquei outro projeto de vida. Minha cabeça de astronauta só aterrissou na realidade quando, em princípio, descobri que a Lua ficava longe demais de casa e temia não saber voltar. Por princípio, tentei mais uma vez seguir os caminhos de meu velho pai – agora dono de bar – mas a empresa malogrou porque os bêbados davam trabalho e calote.

Não é fácil para os pequenos (O que eu vou ser quando crescer?), muito menos para os grandes (O que eu deixei de ser...?). Tudo são dúvidas e eu tenho mais perguntas que respostas. E ao lutar pelo o que desejo ser/escolher ante aquilo que o mundo vai me ofertar, percebi aí que há uma guerra fria de paz aparente. Cuidei de crescer e aprender o sentido de ser das minhas escolhas. “Todo mundo tem que ser alguma coisa neste mundo”, parecia ouvir isso em todo lugar: no coração, em casa, na escola, na praça, na charada da alma.

Os sonhos de profissões continuaram me interpelando na adolescência. Advocacia ou pintura me pareceram motivadoras, faltava o vigor da vocação; caminhoneiro era uma promessa de amigos de escola que juraram se encontrar pelas estradas da vida. Jogador de futebol é sonho tarimbado de todo menino brasileiro que tem canelas para jogar – meu problema foi a bola entrar no gol. O tom da comédia surgiu das piadas que ouvia e anotava num caderninho para depois contar aos interessados (ali nascia, sem saber, meu gosto pela escrita). A mendicância era a última alternativa caso eu não me adaptasse a este sistema de coisas criado pela humanidade.

Ser louco também era uma opção, mas não deu tempo!

Em meio às escolhas de profissões que um dia desejei para mim, em algum momento da adolescência, deixei de pensar por conta própria. Por medo, dúvida, timidez, covardia ou ignorância, eu segui a manada do momento deixando meus sonhos serem levados para longe de mim. Mas a gente cresce, erra, acerta e faz as escolhas próprias antes que o sol do mundo nos queime a pele e derreta nossas asas de Ícaro.

Não escolhi profissões a esmo e deixei de ser muita coisa: não fui um pedreiro malgrado, nem um reles pianista ou astronauta perdido no espaço. Não vendi bebidas ruins, nem usurpei a moral da lei ou fiz pinturas medíocres; escolhi não me tornar um caminhoneiro imprudente, um jogador perna-de-pau, um insosso comediante ou um mendigo sem público. Decidi não ser muita coisa pelos motivos certos em vez de parecer afortunado pelas razões dos outros.

Cresci e acabei por fazer escolhas ante as condições e oportunidades que vivi. Cuidado: ou você faz suas escolhas, ou o mundo escolherá por você de um jeito que não vai lhe agradar. Eu poderia ter sido alguma coisa, inclusive nada. Acredito que no fim das contas – espero que a contabilidade esteja longe do fim – acredito que escolhi ser eu...

 “Não sou nada/ Nunca serei nada/ Não posso querer ser nada/ À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”.  Álvaro de Campos, de Fernando Pessoa.