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BALAS DE CANHÃO: TESTEMUNHAS OCULARES DA BATALHA DO JENIPAPO EM 1823

 "A epopéia do Jenipapo é o ponto mais alto da participação do Piauí nas lutas da Independência do Brasil". Monsenhor Chaves. / Créditos: Gean Medeiros

Balas de canhões portugueses utilizados na Batalha do Jenipapo, em 13 de Março de 1823, foram encontradas pelo lavrador Sr. Wilson José de Araújo, da comunidade Alto do Meio, no Município de Campo Maior. O descobridor do primoroso achado, encontrou três balas nas margens do Rio Jenipapo, local tradicional onde ocorreu a famosa Batalha de Independência do Piauí para adesão plena a Independência do Brasil (1822). Conta o morador que o achado se deu em um dia comum de roça, no lavrar da terra, ao tocar da ferramenta de trabalho em esferas de metal enterradas a muito tempo - soterradas pelo tempo e pela memória.

Uma das balas foi doada ao Museu do Monumento da Batalha do Jenipapo, localizado as margens da BR 343; as duas restantes, estão atualmente de posse do seminarista Gean Medeiros, diretor do projeto Lar da Juventude, após negociação com Sr. Wilson, para o bem da preservação do Patrimônio Histórico Material do Piauí. As duas balas fotografadas acima serão exibidas futuramente, como prometido pelo diretor, na Inauguração do Palácio das Artes e Cidadania de Campo Maior (2025), um projeto da Associação do Centro Operário Campomaiorense na promoção da maior escola de Artes e Cultura da região do Território dos Carnaubais.

Cemitério dos Heróis do Jenipapo

Conforme a narrativa oficial do Historiador Monsenhor Joaquim Chaves, em seu clássico "O Piauí nas lutas da Independência do Brasil" de 1993, expõe claramente o significado histórico de tamanho acontecimento:

"Não há na história da independência do Brasil uma página mais épica, mais emocionante do que a que escreveram, com sangue e bravura, aqueles homens, no dia 13 de março de 1823, nas margens do Jenipapo.

O Capitão Luís Rodrigues Chaves chamara os homens válidos da Vila e termo, arregimentara-os e patenteara-lhes o perigo próximo.
Não foi em vão. O povo estava acima de qualquer expectativa. Cada um, o vaqueiro e o roceiro, foi mais pronto em alistar-se para o tributo de sangue. Ninguém se recusou a acudir ao apelo, e, dentro de três dias, as fileiras engrossaram-se e uma numerosa multidão ficou à espera dos portugueses para o combate.

É assim que perto de dois mil homens vibrando num entusiasmo ruidoso, expansivos como quem volta de um triunfo, acudiram à chamada e formaram em frente à Igreja de Santo Antônio. Os soldados do Capitão Luís Rodrigues Chaves com os que haviam abandonado o Ten. Cel. João Antônio da Cunha Rebelo, com os de Alecrim e do Capitão Nereu, elevando-se a pouco mais de 500, não podiam dar a consistência precisa à totalidade do Corpo. Fossem mais numerosos, mais disciplinados e aproximariam, talvez, essas duas mil unidades de combate.
 
'Assim não. E só a loucura patriótica explica a cegueira desses homens que iriam partir ao encontro de Fidié quase desarmados'.

'As poucas espingardas tinham sido distribuídas aos cearenses. Os piauienses, estes conduziam velhas espadas, facões, chuços, machados, foices. De nada valia contudo, para eles, a falta de armas, tão sugestionados iam com a certeza do triunfo. Ninguém pensava, aliás, na possibilidade de morrer. Todos sonhavam a glória do regresso à Vila, conduzindo algemado o chefe do exército, à frente da turba multa sem fim dos prisioneiros'.
'E nesse entusiasmo surgira o dia do encontro. Era a 13 de março'." (CHAVES, 2005. p. 81).

Sobre a natureza dos canhões como a peça de artilharia mais brutal e de peso bélico por muitos séculos, conhecemos que:

Até o século XVIII, tanto os canhões de navios de guerra como os usados em terra, possuíam almas lisas (o cilindro interior de seus tubos não era raiado ou estriado) e, por isso, não eram de grande alcance ou precisão.

A invenção da pólvora e o uso de roqueiras para lançar pedras, levaram os engenheiros ao desenvolvimento de novas armas capazes de lançar a longa distância os mais variados projéteis. O maior problema enfrentado na fabricação de canhões, foi acertar a têmpera adequada para evitar as frequentes explosões.
A guerra exige diversos tipos de canhões. A artilharia de campanha utiliza canhões leves, de fácil transporte e grande alcance (1).

O especialista Carlos Alves Lopes, do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB) explica a importância do conhecimento da evolução bélica do exército português, fortemente influenciado pelas sucessivos conflitos que participou na transição dos séculos XVIII ao XIX:

"A artilharia de peças de alma lisa chegou ao seu expoente máximo durante as campanhas das Guerras Napoleónicas (1803-1815), mas este período também marca a data a partir da qual teve início o seu rápido declínio, com a introdução e desenvolvimento generalizado de peças da artilharia de alma estriada." (LOPES, 2023, p. 88).

Canhões usados na Batalha do Jenipapo (1823), a terceira foto é um exemplar inglês do séc. XVIII.

"O Arsenal Real do Exército de Lisboa voltou a produzir a partir de 1809, especialmente peças de artilharia de campanha para o exército continental de 3 e 6 libras, mas a partir de 1810 também produziu peças para responder às encomendas do Príncipe Regente D. João para rearmar as fortalezas e o Exército no Brasil. É a partir desta data que o Arsenal Real do Exército começa a produzir reparos de artilharia do modelo inglês de bloco simples, assim como os restantes carros do trem e a data em que a cor base da artilharia passa a cinzento e as partes metálicas pintadas a preto.
(...)

Na prática a organização da artilharia de campanha portuguesa, entre 1809 e 1814, enquanto associada à força anglo-portuguesa, ficou ligada à estrutura orgânica das batarias britânicas integradas nas divisões do Exército, com 12 peças cada, de 3 e 6 libras conforme o material disponível. Mais tarde a artilharia portuguesa começou a receber peças de 9 libras, tudo ao estilo organizativo inglês de Beresford. (LOPES, P. 85-86).
  
Essa associação do exército português com o exército inglês foi devido à Guerra Peninsular de expulsão das forças francesas invasoras do território português e espanhol, ocorrido de 1807 a 1814, e à famosa Batalha de Waterloo (1815) da qual participou o João José da Cunha Fidié, na época ainda soldado:

Duas medidas tomadas pelo Governo português, naqueles dias, com respeito ao Piauí, dão a entender que aquela pretensão tinha algum fundamento. A primeira delas foi enviar-nos um carregamento de armas e munição exagerado para as necessidades normais da Província. Este material desembarcou em São Luís a 4 de outubro de 1820. A segunda providência foi Lisboa despachar, às pressas, para o Piauí, como Governador das Armas, um cabo de guerra experimentado e ferozmente fiel aos interesses de Portugal o Major João José da Cunha Fidié, veterano das guerras peninsulares contra as tropas de Napoleão Bonaparte, e que serviu no exército de Wellington (CHAVES, 2005).

Pintura "A Batalha do Jenipapo" de Avelar Amorim Lima (2023). Artista premiado pelo Governo do Estado do Piauí.

Por fim, nas palavras do já citado Monsenhor Chaves, maior historiador da Epopéia do Jenipapo, narra no épico-trágico a bravura traduzida na "loucura patriótica", por amor a liberdade e ao sonho de uma nação independente, de um Império Brasileiro:

Eram 9 horas da manhã. A primeira leva foi repelida com graves perdas. A fuzilaria e as peças de Fidié varriam os campos em todas as direções. As cargas se sucediam, heróicas, mas inúteis. Muitos patriotas iam morrer à boca dos canhões com um desamor pela vida que pasmava os soldados, pouco afeitos semelhantes atos de bravura. (CHAVES. 2005, p. 82-83).

As duas balas, solitárias esferas de chumbo pairando numa época futura, são a síntese de uma História que nunca acabou, de um acontecimento de nosso passado que continua a persistir no futuro, de um chamado de nossos antepassados para a preservação da Memória e História de nossa bravura e independência. Duas balas que simbolizam o sangue derramado neste solo brasileiro, sangue que ainda clama por justiça, respingado e marcado nestas balas. "Dois olhos que nos confrontam", e clamam por justiça, ainda que tardia.

Referências:
(1) https://instrumentosdeguerra.wordpress.com/2012/09/22/os-canhoes-antigos/

(2) LOPES, Carlos Alves. A artilharia portuguesa dos séculos XVIII e XIX: relações entre tecnologia e organização. Revista do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB) – ANO 82 – no 110 – 1o Sem. 2023.

(3) CHAVES, Monsenhor Joaquim. O Piauí nas Lutas da Independência do Brasil. mas Teresina: Alínea Publicações Editora, 200

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