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NOTAS DE HISTÓRIA DA ARQUITETURA COLONIAL RELIGIOSA PIAUHYENSE (Por Olavo Pereira da Silva Filho)

A Igreja, embora devendo obediência ao Rei, dividia o poder com o Estado absolutista. Os templos foram assim levantados com donativos de fazendeiros e do próprio povo interessado na consolidação da ação pastoral. A fundação de igrejas, principalmente das matrizes, obedecia às orientações eclesiásticas e a uma certa padronização arquitetônica, enquanto as capelas, de iniciativa popular, foram mais soltas, e também mais pobres. A primeira legislação eclesiástica do Brasil, regulamentando as ordens e irmandades religiosas, data de 1707, são as “Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”, fundamentadas no Concílio Tridentino e que prescreviam para a edificação das igrejas paroquiais: “sitio alto, & lugar decente, livre de humidade, & desviado, quanto for possível, de lugares immundos & sórdidos, & de casas particulares, & de outras...” além da orientação cardeal, em que a “Capella mayor se funde de maneyra, que posto o Sacerdote no altar fique co o rosto no Oriente, não podendo ser, fique para o Meyo dia, mas nunca para o Norte, nem para o Occidente”. Ficariam assim as igrejas com as frontarias voltadas para o poente (SILVA FILHO, 2007. p. 306).

(...)

Nas matrizes de Oeiras e Parnaíba, os retábulos projetam uma unificação com a arquitetura. Em Brejo de Santo Inácio, a simplicidade do altar escalonado, com o sacrário à feição de templo de frontão triangular. Contrastando com as imagens de apurado talho e estofamento dourado, são notáveis expressões do que foram as primitivas capelas jesuíticas. As imagens de Santo Inácio de Loiola, N. Sra. da Conceição e o crucifixo encimando o sacrário são peças características da veneração dos jesuítas, da primeira metade do século XVIII. A de Santo Inácio, em que a movimentação se apega apenas às dobraduras da sotaina e da sobretúnica, é representação típica encontrada no litoral leste, como também o crucifixo e a imagem de N. Sra. da Conceição, de manto esvoaçante. Em Jerumenha igual simplicidade se vê na mesa do altar, atualmente deslocada para a sacristia. A decoração festiva e efêmera enseja as realizações mais rigorosas da liturgia católica, limitadas pela carência de recursos e imposições do meio, enquanto o comparecimento popular reflete a convivência de brancos, pretos, mulatos e mestiços. Diz Miridan que no Piauí não temos:

“... templos mandados edificar pelos escravos para uso exclusivo ou que reconhecidamente marcassem as distâncias e rivalidades entre brancos e pretos ou mulatos, embora a tradição popular aponte alguns por eles frequentados mais comumente, como a Igreja do Rosário, em Oeiras (...) a única igreja cuja tradição popular aponta como antigo espaço dos negros [...] assim, não há espaços que conduzem, claramente, a uma geografia religiosa, no dizer de Roger Bastide (...) Na primitiva igreja de Bocaina consta que seu fundador, Raimundo de Souza Britto, em 1780, entrava na festa da padroeira, em 4 de dezembro, na igreja, carregando na mão direita a imagem de N. Sra. da Conceição e na esquerda a imagem de N. Sra. do Rosário. Do lado direito sentavam os brancos livres e do lado esquerdo, os pretos escravos...”

Apesar dos laços de união que o sertão urdiu entre essas raças, frequentando o mesmo espaço litúrgico, certamente com alguma reserva, como se viu nas fazendas, havia confrarias para todas as classes e condições sociais. Ainda que não exclusivas, os negros tiveram suas próprias igrejas como a de N. Sra. Do Rosário de Oeiras (antes dos jesuítas), Campo Maior e Parnaíba e São Benedito de Teresina e Valença. Nessa última, as imagens negras do padroeiro e de Santa Efigénia expressam bem a afinidade do espaço religioso. A religião foi, assim, o elo de unidade cultural do sertão.

Na segunda metade do século XIX a arquitetura religiosa também vai romper com as tradições ibéricas, embora atávica aos esquemas de planta e implantação, ainda atrelados ao partido português adotado na Colónia e de proporções derivadas do quadrado. Como nas primeiras vilas setecentistas, em que as matrizes imprimiram a típica configuração dos aldeamentos missionários, na nova Capital, a localização da Catedral de N. Sra. do Amparo na Praça da Constituição, igualmente vai repetir esse diagrama. Em Amarante, a Matriz de São Gonçalo (1874) também adota o esquema de implantação em quadra própria e adro aberto mas, ao contrário do que ocorreu nas antigas nucleações, não surgiu com as primeiras casas, situando-se arredada do núcleo de origem, portanto numa condição secundária e não mais de domínio da paisagem central. Em Amarante, onde o impulso comercial alicerçou o fundamento urbano, a maior demonstração da atividade religiosa nos primeiros dias da cidade teme- te aos oratórios domésticos, ainda encontrados em algumas moradias. 

Na virada do século XIX, as frontarias, acentuadamente verticalizadas, seguem a tendência eclética que caracterizou o período, compartimentadas por frisos horizontais e simulacros de colunas. As estruturas de cobertura, como na Rosário de Campo Maior, ainda conservam os sistemas antigos. Os elementos aplicados se ajustam às manifestações de gosto popular, com oratórios neoclassizados, altares e balaustradas de alvenaria e imaginária de gesso. Nos pequenos templos espalhados pelo sertão, nichos escalonados projetam a participação dos fiéis. Nessas obras já não se usa a pedra, senão nas fundações. As paredes são de tijolo queimado: os pisos de ladrilho hidráulico, os forros de tabique aparelhado; vedações de vidros coloridos nos óculos; e portas de almofadas baixas ou de calha. Destacam-se, entretanto, as almofadas das portas da Igreja de São Benedito e as da Matriz de N. Sra. dos Remédios de Picos, em notáveis rendilhados fitomórficos. Em 1867 a Província tinha: 26 igrejas, 12 capelas, 10 nichos e 24 cemitérios. Muitos templos sofreram reformas as mais desastradas, perdendo-se definitivamente as características originais, quando não arruinados ou substituídos por novos edifícios, como a Matriz de Santo Antônio de Campo Maior, da qual resta uma ou outra fotografia, a de Valença, Parnaguá, Marvão, Barra do Poti, todas anteriores a criação das respectivas vilas e das quais nada se sabe de configuração arquitetônica (SILVA FILHO, 2007. p. 308-309) . 

Referência: SILVA FILHO, Olavo Pereira da. Carnaúba, pedra e barro na Capitania de São José do Piauhy, 2007. Vol. 2.

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