No início de 2018, o desenhista de projetos Carlos Augusto Manço resolveu voltar aos bancos da escola, em Ribeirão Preto (SP). Aos 90 anos, fez vestibular, foi aprovado e se matriculou no curso de arquitetura e urbanismo. No primeiro dia de aula, despertou a curiosidade dos colegas e passou a ser o aluno mais querido da classe e também o mais presente.
Voltar ao mercado de trabalho não está nos planos do vovô Manço, mas a disposição e o empenho nos estudos são um exemplo para muitos novinhos.
“A cabeça está aprendendo a aprender. Você para de estudar e a cabeça fica meio dura, mas o cérebro funciona bem. Se não funcionar, você está morto”, diz.
A escolha
Depois de trabalhar por mais de 35 anos no Hospital das Clínicas (HC) de Ribeirão Preto como desenhista de projetos e estar há quase 25 anos aposentado, Manço decidiu fazer faculdade. Foi ele quem ajudou a projetar grande parte da estrutura do hospital que existe até hoje.
“Eu já vinha ensaiando, eu não sei explicar. Eu estava acomodado. ‘Por que eu vou esquentar a minha cabeça se não precisa?’ Agora, tomei coragem e fui. Vamos ver se aguento completar esses cinco anos. Eu achei que podia fazer, que ia saber fazer, eu achei que ia ser fácil, mas dancei.”
Desenhar não é algo que Manço gostasse desde a infância, mas ele conta que a habilidade surgiu da necessidade. Após servir no Exército e voltar a Ribeirão, aprendeu a desenhar e conseguiu um emprego no Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (Daerp), lugar onde conheceu a mulher, com quem teve dois filhos.
“Quando você fica muito velho, sem profissão, você dá um jeito. A que vem você pega. Como eu saí do Exército com 19 anos e não tinha uma profissão, eu consegui uma vaga no Daerp e aprendi a desenhar lá.”
Antes de se decidir pelo curso hesitou entre arquitetura e biologia, já que tem paixão por orquídeas. Até pensou na hipótese, mas desistiu e preferiu aprimorar seus conhecimentos adquiridos ao longo da vida profissional.
Depois de decidir qual curso fazer, Manço prestou vestibular no centro universitário Barão de Mauá. Teve que escrever um texto sobre consumismo na prova e não achou a tarefa muito fácil.
“Tive que fazer vestibular e foi muito difícil. A pergunta foi sobre a mania de gastar de dinheiro. Custei para desenvolver a tese do negócio, mas foi bem, o pessoal aceitou bem. É difícil escrever sobre algo que você está acostumado a fazer. Eu achei sacanagem.”
O retorno
Aprovado e matriculado, era chegado o início da jornada estudantil. Manço conta que foi bem recebido na faculdade e que tem a atenção dos professores e dos alunos, além de um bom relacionamento.
“Eu sou bem atendido por aquela turma. Aqueles meninos me tratam bem também, molecada boa. Eu fiquei meio esquisito no meio da turma, porque você vê tudo meninos com cerca de 20 anos. Todos queriam conversar comigo, cumprimentavam. Agora o negócio está indo bem, estou mais relaxado. As matérias que eles estão aprendendo eu já sei. Eu consigo me adiantar um pouco mais.”
convivência e os anos de experiência levaram Manço a se tornar uma espécie de consultor, quando o assunto debatido em sala é conhecido dele. Ele oferece ajuda quando um colega ou outro precisa.
”Eu tenho paciência com eles, eles não me tiram do sério, não. De vez em quando eu dou uma ajudinha sim. Eu até perguntei para a direção se eu podia ensinar algumas coisas se precisassem e eles disseram que não tinha problema e que eu poderia ensinar. Eu não posso é fazer para eles, mas ajudar sim.”
De acordo com o estudante universitário, os livros têm uma linguagem diferente daquela a que ele estava habituado na juventude. Ele conta que teve dificuldades em algumas matérias da grade, como ‘Tecnologia das Construções’ e ‘Metodologia Científica’. Em uma das provas que fez, errou quase todas as questões.
“A primeira prova que eu fiz de material reciclável errei todas as perguntas. Eu não tinha pegado o papel onde tinha a matéria e depois eu fiz uma prova oral com a professora. Quando eu estava no começo, eu perguntei se tinha errado tudo e eles disseram que sim, eu tinha errado tudo.”
Ao saber dos erros, ele redobrou os estudos, pegou o texto indicado pela professora e refez a prova. “A professora me disse ‘ainda bem que você estudou, Augusto'”, lembra.
O volume de conteúdo é grande, mas Manço já dá conselhos aos estudantes e estabeleceu uma rotina de estudos para não deixar nada pendente. No entanto, alguns trabalhos ainda passam batido e os professores não fazem corpo mole.
“Eu falo para uma das professoras que ela fala tanto em uma aula que dava para escrever metade de um livro. Eu já tomei bronca, tomo bronca toda hora. Eles falam ‘você deixou para amanhã, né, Augusto?’. Se você deixa para amanhã, você não faz. Antes os desenhos eram feitos a mão com uma ‘canetinha especial’ e hoje é tudo no computador. Me parece que isso vai ser eterno, ninguém vai voltar a fazer desenho em papel vegetal.”
Paixão
Manço conta que a cada desenho que cria coloca amor. Segundo ele, é necessário gostar muito do que faz para que seja um bom trabalho.
“Se eu vou fazer uma casa para quem quer que seja, eu tenho que colocar meu amor, meus sentimentos, minha vibrações. As paredes vão refletir aquilo para os novos proprietários. Não adianta você fazer uma casa que a pessoa não se sinta bem dentro.”
Além dos desenhos, Manço ainda tem gosto por pintura e junto com a esposa, que morreu depois sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) há cerca de um ano, fez os quadros que decoram a sala da casa onde vive.
Mercado de trabalho
O estudante diz que não pretende voltar ao mercado de trabalho e que já até lhe ofereceram uma vaga de estágio, mas recusou já que o trabalho lhe tiraria o tempo que dedica aos estudos.
“Até posso abrir um escritório de associados com outras pessoas, mas eu não vou ocupar o lugar deles. Já está difícil para eles [jovens], mais um ocupando fica mais complicado ainda”, diz.
Por Fábio Wellington
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