Pedreiro e pintor que criaram 'Pense em mim' voltam a lucrar com hit de Zé Felipe, filho de Leonardo
"Pense em mim" mudou a vida de Douglas Maio e José Ribeiro, pedreiro e pintor de paredes de Santos (SP) que criaram a música gravada por Leandro & Leonardo em 1990. Após 33 anos, o antigo refrão, usado no novo hit "Vacilão", de Zé Felipe, filho de Leonardo, dá mais uma fonte de renda aos dois.
Douglas, José e Mário Soares, cantor que também assinou a composição de "Pense em mim", autorizaram o uso de trechos de sua música em "Vacilão". Em troca, os três ficaram com 16% dos direitos autorais do novo hit, segundo a editora Warner Chappel.
"Vacilão", de Zé Felipe, Wesley Safadão e Igow, transforma "pensa em mim" em "senta em mim". A ousadia deu certo: ela tem o clipe mais tocado no YouTube no Brasil atualmente. Isso indica que a renda autoral será boa.
À esquerda, Leandro e Leonardo na capa de 'Pense em mim', de 1990. À direita, Zé Felipe, Wesley Safadão e Igow no clipe de 'Vacilão', releitura do sertanejo de 33 anos atrás — Foto: Divulgação
"Pense em mim" dá a Douglas e José, até hoje, uma renda de cerca de R$ 10 mil por trimestre. Eles também ganham até R$ 100 mil cada quando a música é usada em uma campanha publicitária. Os dois seguiram trabalhando em construção e não ficaram ricos, mas a música deu um sustento.
"Eu era uma pessoa que não tinha nada. A gente era muito humilde. Deus iluminou eu e o Douglas, e a gente conseguiu fazer a música. Foi como ganhar na loteria", diz José Ribeiro.
'Pense em mim': um reggae de 1985
José Ribeiro, 61 anos, e Douglas Maio, 69, eram amigos no Morro da Nova Cintra, em Santos, e tocavam em uma banda de baile chamada Nova Dimensão.
Douglas também trabalhava como pintor de parede desde os 13 anos de idade, ao mesmo tempo em que tentava compor e tocar com parceiros como José, músico e pedreiro.
Eles dizem que a ideia para "Pense em mim" veio em 1985, quando Douglas viu uma mulher bonita chorar pelo ex-namorado, que foi guitarrista da Nova Dimensão. José entrou na brincadeira.
"O Douglas perguntou: 'em vez de chorar por ele, chora por mim?' Eu continuei: 'Em vez de pensar nele, pensa em mim'. E ele falou: 'Isso dá música. Vamos fazer?'. Eu estava com o violão na mão, e comecei a fazer um reggae", lembra José.
Eles terminaram a música, que entrou no repertório de outro cantor de Santos, Mario Soares. O título original era "Com destino à felicidade". Mas o próprio público passou a chamá-la de "Pense em mim". Com o tempo, o reggae ganhou um arranjo romântico.
Levou ao sucesso e virou autor
Mario Soares tocava na Caravana do Bolinha. A série de shows criada pelo apresentador também tinha uma revelação do sertanejo: Leandro & Leonardo. Eles ouviram "Pense em mim" e pediram para gravar.
Mario relutou em dar a música do seu repertório. Douglas e José fizeram um acordo: Mario ganhou uma parte da composição, por ter feito a ponte com a dupla, e ficou com um terço da autoria, diz José.
José e Douglas dizem que fizeram a música toda lá em 1985, com os mesmos versos gravados em 1990. Mario dá outra versão: diz que mudou trechos da composição antes de dar a Leandro & Leonardo. De qualquer forma, no papel, os três são igualmente compositores.
Em 1990, a dupla sertaneja já tinha emplacado "Entre Tapas e Beijos". Mas foi com "Pense em mim", do LP "Leandro & Leonardo vol. 4", que eles viraram estrelas de vez.
A renda atual
Até hoje os autores lucram com "Pense em mim". José e Douglas contam que a renda fica em torno de R$ 10 mil por trimestre (a distribuição de direitos autorais no Brasil costuma ser trimestral).
Além disso, eles ganham a cada autorização de uso da música para trilhas ou comerciais. A inclusão de "Pense em mim" na campanha de uma cooperativa de crédito em 2022 deu a cada autor cerca de R$ 100 mil, eles dizem.
José e Douglas lucraram, mas não viveram o glamour musical. José entrou para a igreja evangélica e seguiu fazendo bicos de pintor. Douglas nunca deixou de ser pedreiro nem de tentar ser cantor profissional, sem sucesso. Mario continuou cantando, sem chegar perto do sucesso de Leonardo.
Quando a música estourou, a renda foi alta. Mas José diz que, após cinco anos, o retorno começou a minguar. "Era o dinheiro de eu pagar uma conta de luz. Mas depois comecei a ser surpreendido. Começou a aumentar, eles começaram a trabalhar."
Na época, não dava para saber que "Pense em mim" não seria modinha passageira. Mas a carreira de Leandro & Leonardo se consolidou. A comoção com a morte de Leandro, em 1998, só fez a execução de "Pense em mim" aumentar.
O resultado é que até hoje a renda da música ajuda a sustentar os autores. "Não fiquei rico, mas saí do vermelho", diz José. "Foi como se fosse uma galinha dos ovos de ouro. Sempre vai lá e tem um pouquinho", ele compara.
"Não sou aposentado pelo INSS, mas tem essa renda aí que para mim é benção de Deus. Eu praticamente criei meus filhos com ela. Quando a música começou a fazer sucesso, eram todos pequenos, e a música está aí há 35 anos rodando", diz o autor.
Os três tiveram problemas de saúde no fim de 2022. Mario, de 72 anos, teve um AVC. Ele pediu ajuda publicamente a Leonardo e diz que não foi atendido. Douglas sofreu um infarto e José teve que colocar um stent no coração. Hoje, todos dizem que estão melhores.
No início de 2022, Leonardo venceu um processo em que Mario questionava a renda repassada pela autoria de "Pense em mim" e pedia para rever os valores. O juiz considerou que os contratos e distribuições estavam todos certos.
Não vacilaram e ganharam 16% de 'Vacilão'
"Vacilão" usa a voz original de Leandro & Leonardo no verso "Em vez de você ficar pensando nele...", mas troca "pense em mim / chore por mim" por "quica em mim / senta em mim".
A presença de Zé Felipe na música ajudou no processo de liberação do uso. Mas não dava para lançar sem a autorização dos três autores de "Pense em mim".
"Eu já sabia que ia ser difícil. Mas resolvi tentar", diz o produtor e cantor Igow. "Fiquei sabendo que todos os autores são da Warner, mesma editora que eu. Pedi ajuda para tentar autorização, explicar a grandiosidade do projeto", diz Igow.
Os 16% da renda dos direitos autorais serão divididos igualmente entre os três. O percentual é comum no mercado em casos de citação de composição antiga em uma música nova. Como a distribuição é trimestral, eles ainda não receberam a primeira parcela.
O resto da autoria de "Vacilão" fica com os quatro compositores do novo hit: Thawan Alves, o Tawanzera, Macenna, Pimentel e Gabriel BK.
O final foi diferente de outras releituras que geram brigas após o lançamento sem autorização no Brasil, como "Coração cachorro" e "Lovezinho".
Pelas brigas anteriores, havia uma dúvida se Mario Soares iria autorizar, mas ele assinou. "Quando ouvi o Zé Felipe cantar a música nova eu estranhei", diz sobre a troca para "senta em mim". "Mas de tanto que bate no ouvido, você gosta. E eu conhecia o menino, gosto dele."
Douglas é direto: "Eu autorizei e pronto, não tem esse negócio comigo. Para mim, o importante, quanto mais ela tocar, é mais execução que eu recebo. E eu gosto muito de dinheiro."
José comenta: "As primeiras estrofes achei legal, aquela sofrência. Já a segunda parte vai para a sacanagem", ele diz aos risos. "Qualquer movimento com ela a gente acha legal, porque fica na mídia, rodando, aí dá lucro para a gente. Em questão de música, não é meu estilo. Mas fazer o quê?"
FONTE/CRÉDITOS: G1
Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião desta página, se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.