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  06:21

PF vê indícios de que Temer participa de esquema de propina desde a década de 90

 Fonte: G1 / Foto: Reprodução

A conclusão do Inquérito dos Portos, entregue na terça-feira (16) ao Supremo Tribunal Federal (STF), traz detalhes de um esquema de corrupção liderado, segundo a PF, pelo presidente Michel Temer (MDB) há mais de 20 anos, desde a época em que era deputado federal por São Paulo.

A PF indiciou o presidente e outras dez pessoas, entre as quais a filha dele, Maristela Temer, e o coronel João Baptista Lima Filho, amigo do presidente. A Polícia Federal pediu o bloqueio de bens de todos os suspeitos e a prisão de quatro deles. (Veja lista de nomes ao final da reportagem)

Relatório de 800 páginas reúne depoimentos de 50 testemunhas e investigações das operações Patmos (deflagrada em maio de 2017 para coletar indícios de supostos repasses ilegais da J&F) e Skala (que prendeu amigos do presidente).


Documento aponta que Temer criou 2 dias após assumir a Presidência, em 2016, um grupo de trabalho para tratar das demandas do setor portuário.
Há indícios de que Temer participe do grupo criminoso desde sua criação, na década de 90, quando houve os primeiros pagamentos de propinas. Elas seguiram até 2014.


Principais valores com indícios de irregularidades foram recebidos pelo coronel Lima, amigo de Temer, e suas empresas.


Foram identificados repasses de R$ 5,6 milhões para Temer entre 2000 e 2014 e outros R$ 17 milhões em propina para o MDB
Temer e o ex-assessor Rocha Loures, que está preso, são apontados como núcleo político e administrativo da organização. Ambos foram indiciados por organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Outras 9 pessoas também foram indiciadas.


Temer não se pronunciou até o meio-dia desta quarta (17). Na terça, sua defesa disse que não teve acesso ao relatório. Ele sempre negou.
STF enviou documento para a Procuradoria Geral da República (PGR), que decide se denuncia Temer. Caso haja a denúncia, a Câmara dos Deputados terá de autorizar o prosseguimento do processo.


Relatório
No relatório final, que tem mais de 800 páginas, o delegado Cleyber Malta Lopes afirma que "é possível concluir que há elementos concretos e relevantes no sentido de que a edição do decreto buscou atender interesses de empresas portuárias ligadas aos agentes políticos Michel Temer e Rodrigo Rocha Loures". E ainda que "o Decreto questionado poderia permitir um novo período de influência no setor portuário pelo investigado Michel Temer e seus aliados políticos".

O G1 procurou a assessoria de imprensa da Presidência da República, que disse que não comenta. O Palácio do Planalto acrescentou que a defesa do presidente é quem responde pelo assunto. Na terça, a defesa de Temer informou que não teve acesso ao relatório da Polícia Federal. Veja o que afirmaram os demais indiciados ao final desta reportagem.

A PF também concluiu que há "robustez de elementos" para confirmar que o coronel João Baptista Lima Filho faz parte de uma "estrutura de captação de recursos financeiros ligada ao senhor MICHEL TEMER".

O caso foi encaminhado pelo ministro do Supremo Luís Roberto Barroso para a Procuradoria Geral da República (PGR), que tem até 15 dias para se pronunciar por meio de parecer e decidir se apresenta ou não denúncia à Justiça. Se a PGR denunciar Temer ao STF, a Câmara dos Deputados terá de autorizar o prosseguimento do processo.

Investigação
A investigação foi aberta no ano passado a pedido do ex-procurador da República Rodrigo Janot depois de denúncias feitas por executivos do grupo J&F, donos da empresa Eldorado Celulose, que tem negócios no setor portuário.

Na época, eles delataram repasses de dinheiro e negociações com agentes políticos, entre eles Rodrigo Rocha Loures, homem de confiança de Temer.

Segundo a conclusão da PF, Loures articulou com empresas do setor portuário a edição do decreto 9048/2017, com autorização e conhecimento do presidente Michel Temer, em troca de propina e influência política.

Em maio de 2017, Temer ampliou os contratos de concessões de empresas portuárias de 25 para 35 anos, podendo ser prorrogados sucessivamente, até 70 anos.

O relatório apontou que empresários do setor portuário procuraram Temer, quando ele ainda era vice-presidente, em 2013. Naquela época, a então presidente Dilma Rousseff (PT) aprovou uma mudança na lei do Portos, de 1993. No entanto, Dilma vetou 13 itens da medida provisória proposta pela Câmara e Senado, na chamada MP dos Portos.

Segundo a investigação concluiu, já naquela época Temer foi procurado por empresários que atuam principalmente no Porto de Santos, porque, segundo a PF, “Temer possui influência há mais de 20 anos nesta área”, desde quando era deputado federal por São Paulo, no fim da década de 1980.

O relatório concluiu também que “há indícios que o Presidente participe deste grupo criminoso, desde a sua criação quando indicou na década de noventa, Marcelo Azeredo para presidente da Codesp”, que administra o Porto de Santos. A PF diz que foi nesta época em que surgiram os “primeiros pagamentos de propinas”.

A PF identificou conversas entre executivos da empresa Rodrimar e Rocha Loures, desde 2013 até 2017, quando o decreto foi editado. Segundo a investigação todas as conversas tiveram “anuência de Michel Temer”.

A PF indiciou o sócio da Rodrimar, Antonio Celso Grecco pelos crimes de organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. O diretor do grupo, Ricardo Mesquita, foi indiciado por corrupção ativa.

O sócio do Grupo Libra, outra empresa que também atua no Porto de Santos, Gonçalo Borges Torrealba, foi indiciado por organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Os três foram apontados no relatório como parte do núcleo empresarial do grupo criminoso.

Segundo a investigação concluiu, mais de 100 empresas portuárias se beneficiaram com a edição do decreto.

O relatório aponta ainda que o Decreto dos Portos foi questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que em junho desse ano limitou a prorrogação dos contratos de terminais portuários entre 1993 e 2017, por considerar que a o prazo de até 70 anos abria brecha para empresas burlarem licitações.

Argeplan
A PF também descobriu o caminho do dinheiro do grupo. Para que Temer recebesse propina de empresários, ele usou a empresa de arquitetura Argeplan, que fica na zona Oeste de São Paulo, e tem como sócio o Coronel João Baptista Lima Filho, amigo do Presidente há mais de 30 anos.

A PF destaca que a aproximação entre Lima E Temer se seu entre 1982 e 1984, quando Temer assumiu a Secretaria de Segurança Pública De São Paulo, tendo como assessor Militar, o Coronel Lima.

E que a partir de 1983, “o número de contratos da Argeplan com A Polícia Militar cresceu mais de 100%”.

O relatório também destacou a atuação direta de Lima como coordenador de campanhas eleitorais de Michel Temer ao longo dos anos e que Lima exercia múltiplas jornadas de trabalho, na Polícia Militar, na Argeplan de forma oculta e nas atividades partidárias de Temer.

Lima e o sócio na Argeplan, Carlos Alberto Costa, foram apontados pela PF como parte do núcleo financeiro do esquema.

Os dois foram indiciados por organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A PF também pediu a prisão preventiva deles.

O diretor da Argeplan, Carlos Alberto Costa Filho, também faz parte deste núcleo e foi indiciado por lavagem de dinheiro. Almir Ferreira Martins, contador da Argeplan, foi indiciado por lavagem de dinheiro.

Além da empresa Argeplan, a investigação descobriu que o grupo financeiro usava inúmeras empresas “de fachada” para receber propina ao longo dos anos e simulava prestações de serviços apenas para receber dinheiro ilícito, sem nenhuma prestação real de contratos.

O relatório diz que “LIMA e COSTA agem em conjunto, encarregados de buscar soluções para dar aparência de regularidade em tais transações, como a simulação de prestações de serviços em contratos, confecção de recibos com falsidade ideológica, entre outros atos. Havendo robustez de elementos que permitem afirmar que, JOÃO BAPTISTA LIMA FILHO, sua empresa ARGEPLAN, suas outras empresas e seus sócios compõem importante estrutura de capitação de recursos financeiros ligada ao senhor MICHEL TEMER”.

Oficialmente o Coronel Lima entrou na empresa de arquitetura em 2011, mas a PF aponta que ele atuava na Argeplan muito antes disso: “Já em relação ao CORONEL LIMA, há farta documentação juntada nos autos que indicam sua gestão na ARGEPLAN muito antes do ingresso oficial, inclusive contrato de gaveta sobre compra de contas da empresa datado de 1995”.

O delegado destaca também “a falta de pudor em tratar de assuntos ilícitos”, e cita como exemplo uma reunião de 1998, quando foi criada, pelo grupo financeiro, a empresa Eliland do Brasil - usada como fachada da Argeplan para arrecadar propina do Porto de Santos.

Numa ata de reunião, apreendida pela PF, há a seguinte anotação: “ O grupo só não poderá ir para a cadeia no lugar do preposto, mas paga o advogado”. O preposto foi identificado pela PF como o contador Almir Ferreira Martins.

Propina do Setor Portuário
O relatório também identificou os valores de propina repassados a Temer ao longo dos anos. Entre 2000 e 2014 o delegado diz que “Há indícios robustos de que o Presidente MICHEL TEMER tenha recebido diretamente os seguintes valores, relacionados ao setor portuário, em cerca de R$ 5,9 milhões".

“E também, outros valores que beneficiaram diretamente agentes políticos do MDB, em acertos diretos ou com anuência do PRESIDENTE MICHEL TEMER, como líder político de seu partido, originados do setor portuário ou de empresa com interesses defendidos no setor, em totais aproximados de R$ 17 milhões, pagos via doação oficial ou 'caixa 2', aponta o relatório final".

O relatório concluiu que, entre 2006 e 2016, o setor portuário doou R$ 115 milhões para o MDB, partido de Temer.

Reforma na casa de Maristela Temer
O delegado Cleyber Malta Lopes, também indiciou Maristela Temer, filha do Presidente Michel Temer, por lavagem de dinheiro.

A investigação concluiu que a reforma da casa dela, que ocorreu entre 2013 e 2015, em São Paulo, foi paga com dinheiro de propina. A conclusão é que a obra tenha custado entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões.

A arquiteta responsável pela obra, mulher do Coronel Lima, Maria Rita Fratezzi, também foi indiciada por lavagem de dinheiro.

A PF diz que a quantia de R$ 1 milhão veio de um pagamento de propina do grupo J&F, a pedido do Presidente Michel Temer e que o dinheiro foi entregue por dois funcionários do grupo, diretamente ao Coronel Lima, na sede da Argeplan, em setembro de 2014. Segundo a investigação concluiu, o pagamento de propina foi feito no mesmo período da reforma da filha do Presidente.

No relatório há detalhes sobre essa entrega e também mostra que o presidente Michel Temer “acompanhou todos os passos da obra”.

Lista de indiciados:
Michel Miguel Elias Temer Lulia
Rodrigo Santos da Rocha Loures
Antônio Celso Grecco
Ricardo Conrado Mesquita
Gonçalo Borges Torrealba
João Baptista Lima Filho
Maria Rita Fratezi
Carlos Alberto Costa
Carlos Alberto Costa Filho
Almir Martins Ferreira
Maristela de Toledo Temer Lulia


Indiciados alvos de pedido de prisão preventiva
João Baptista Lima Filho
Carlos Alberto Costa
Maria Rita Fratezi
Almir Martins Ferreira

Veja o que disseram os indiciados:
A defesa do presidente Michel Temer informou que não teve acesso ao relatório da Polícia Federal.


Por meio de nota, o Grupo Libra informou que "não teve acesso ao conteúdo do relatório da Polícia Federal e, portanto, não vai se manifestar."


A defesa do Coronel Lima informou que "recebeu com perplexidade a notícia do pedido de prisão formulado em seu desfavor". "O Sr. Lima há um ano e meio encontra-se permanentemente em sua residência, afastado de suas atividades profissionais, dedicando-se exclusivamente aos cuidados de sua saúde. Seus advogados vêm mantendo contato frequente com as autoridades policiais e judiciárias envolvidas, prestando todas as informações que lhes foram solicitadas.[...] Não se verifica, portanto, qualquer razão a justificar o pedido de prisão preventiva apresentado nesta data pela Polícia Federal." Os advogados disseram ainda que o pedido de prisão é "desnecessário e desprovido de fundamento legal".


O advogado de Rocha Loures, Cezar Bittencourt, informou que ainda não teve acesso ao relatório policial e, portanto, "não há como se manifestar globalmente". "Nesse inquérito, Rocha Loures não estava sendo investigado pelos crimes organizado e lavagem de dinheiro! Mas, certamente, não há elementos para a PGR oferecer denúncia contra Rocha Loures!"


A defesa de Carlos Alberto Costa e Maria Rita Fratezi afirmaram que "seus clientes nunca deram causa a qualquer pedido de prisão, sempre se colocando à disposição das autoridades". "Esperam serenidade tanto da PGR quanto do STF na apreciação de medida tão grave e desproporcional, aguardando que eventual exercício de suas garantias fundamentais não sejam considerados em seu desfavor."
Rodrimar afirmou que não foi indiciada e nem citada, e por isso não vai se manifestar, mas declarou que os dois ex-executivos citados deixaram a empresa no início do ano.


A defesa de Carlos Alberto Costa e de Maria Rita Fratezi afirmou que os clientes nunca deram causa a qualquer pedido de prisão, estando sempre à disposição das autoridades. A defesa disse, ainda, que espera serenidade da PGR e do STF na apreciação de medida, que considera grave e desproporcional.


O advogado de Maristela Temer informou que só vai se manifestar depois de ter ciência do relatório da Polícia Federal.


A reportagem não havia conseguido contato com as defesas de Almir Martins Ferreira, Antonio Celso Grecco, Gonçalo Torrealba e Ricardo Mesquita.
 

Por Fábio Wellington

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